terça-feira, 13 de julho de 2010

Augusto dos Anjos plagiador?


O poeta Antonio Costta envia esses dois sonetos e pergunta: “você acha que há semelhança entre essas duas obras?” A ideia central, a ingratidão, vem vestida com as mesmas tintas, a mesmíssima imagem da cusparada do favorecido na mão do beneficiador. Augusto foi mais radical na representação da vileza: fala em escarro em vez da secreção salivar do Imperador.

Sobre apropriação de obra intelectual, a escritora alemã Helene Hegemann teve livro acusado de plágio por uma blogueira chamada Airen, reconhecendo em “Axolotl roadkill”, livro da alemã, passagens inteiras publicadas anteriormente em seu site. Mesmo assim, continuou no topo da lista dos mais vendidos em seu país – e ainda se classificou como um dos finalistas da Feira do Livro de Leipzig. A organização do evento justificou a escolha, dizendo que o plágio era legítimo e que fazia “parte do conceito do livro”. Já Helene defendeu-se afirmando que sua narrativa encaixa-se dentro da proposta contemporânea da remixagem e da reapropriação. E disparou: “Não existe originalidade, apenas autenticidade”.

Pois, o poeta Augusto pode não ser original, mas tem autenticidade e genialidade apesar disso. Ao reescrever o tema, Augusto dos Anjos deixa claro que leu bem o original e concebeu sua versão de forma inusitada e singular, apropriando-se consciente ou inconscientemente da ideia.

INGRATOS

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua f'licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

Autor: Dom Pedro II

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Sómente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Autor: Augusto dos Anjos

Conhecido poeta plagiador imediatamente escreveu o soneto abaixo:

SONETO EM CONSTRUÇÃO (1)

Começo a exercitar esse meu estro
E vejo que ele é pobre. Descontente,
Vou ler o sonetista competente
Para tirar lições desse maestro.

Andei lendo Bilac, vate destro,
Camões, Augusto e outra fina gente,
Florbela Espanca, um nome diferente
Na lista de estrelas que sequestro

Para moldar um soneto decente,
Mesmo que com alma de usurpador,
Esperando que seja complacente

Esse meu inopinado e bom leitor.
Talvez, quem sabe, temos confluente
A mesma agregação de ordem e de valor.

Fábio Mozart

Meu confrade Antonio Costta, poeta do Pilar, num instante engatou outro soneto:

Soneto para Fábio Mozart

Não vejo em teu estro um plagiador,
Mas autêntica obra literária;
Embora se pareça voluntária
No contexto do gênio criador!

Imitar o talento do escritor
Consagrado nas letras mundiais,
Só demonstra que somos naturais,
Que da glória - buscamos seu fulgor!

Bem sabeis que não sou poeta bom,
Que, às vezes, eu imito a Drummond,
A Vinícius, a "Pessoa" e Bandeira...

Pra dizer tudo aquilo que eu diria
Num só verso de escassa poesia,
Que eu mesmo julgaria uma besteira!

(ANTONIO COSTTA)

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