Eu e Arupemba no Salão de Artesanato |
Compadres amigos poetas
enviaram para mim seus últimos trabalhos em fase de acabamento para vir ao
mundo incerto da cultura neste país onde autoridades públicas pensam e não têm
vergonha de divulgar que querem moldar o país em consonância com os ideais
nazistas. Abaixo, rápidas impressões deste leitor exordial.
“Desabafo de uma pedra”
O poeta Antonio Costta
reflete sobre o social na maioria desses poemas. Sua linha de raciocínio às
vezes sacrifica o jogo de palavras e o sentido oculto das locuções poéticas
para falar da realidade nua e crua de seu universo. Uma obra de sagrada ira
diante das injustiças terrenas e fé no Reino Eterno.
Li artigo onde um crítico literário
faz avaliação ríspida sobre escritores de qualquer quadrante. “Todos já
disseram tudo a todos que quisessem ouvir. Ninguém mais diz novidade. Tudo já
foi dito”. De fato, a poesia de Antonio Costta, como de resto dos demais que
assumem essa tarefa de expor suas ideias com palavras, sofre do mal da
repetência. “Desabafo de uma pedra” é recapitulação dos males crônicos da
humanidade. A hipocrisia, o desamor, a injustiça, todo o rosário da miséria
humana é a pedra que atravanca o caminho. Cobiça, violência e degradação da
vida impedindo que se viva em paz. Entretanto, nunca é demais combater a sombra
do mal. E o poeta faz isso com a espada e a pedra angular do seu caráter e de
sua fé.
A pedra angular era a pedra fundamental utilizada nas antigas construções, caracterizada
por ser a primeira a ser assentada na esquina do edifício, formando um ângulo
reto entre duas paredes. A partir da pedra angular, eram definidas as
colocações das outras pedras, alinhando toda a construção. A pedra angular é o
fundamento da construção. A convicção ética, o talento e a persistência de
Antonio Costta são pedras angulares que refletem na sua obra poética.
Antonio Costta é uma pessoa de bom caráter,
conservador, defensor da família, de sua religião e da estabilidade das
instituições, entretanto pratica também uma poesia social. Sobre as Ligas
Camponesas:
Foi uma liga ligando
esperança / De justiça social sobre a
terra; / Por um / tempo de paz e não de
guerra, / Um tempo de igualdade e de bonança.
Mas essa liga mexeu co'a
ganância / De quem o latifúndio pertencia;
Um combate desigual se
inicia: / Usineiros contra a pobre
militância.
Antonio Costta me pede umas
palavrinhas para a “orelha” do seu novo livro. De sua poesia, direi que sempre
é uma celebração à palavra, no caso, desta palavra popular, ele que é
cordelista e sendo o cordel considerado Patrimônio Imaterial Cultural do
Brasil. Sobre sua vida como intelectual e artista da palavra, registrar o
lamento porque seu projeto de pintar poemas de itabaianenses nos muros da
cidade não vingou por falta de atenção e vontade dos gestores públicos.
***
Outro livro que me chega no seu nascedouro para uma
rápida palavrinha. Outro amigo velho, Thiago Alves, está finalizando “Homenagens
poéticas”, onde esse artista de Itabaiana cumprimenta seus muitos amigos com
poemas de exaltação na simplicidade do cordel e com a delicadeza dos homens
bons. Thiago Alves compõe quadras e quadrões, sextilhas e martelos, toadas e
cantigas oferecidas de Adeildo Viera a Zezita Matos, pela ordem alfabética,
passando pela letra F onde eu fiquei cativado pelas estrofes a mim tributadas.
Sem fazer truque ou magia / Escrevo aqui afinal / Fazendo
um memorial / Expresso na poesia / A um poeta de valia / Um jornalista arrojado
/ Um vate bem antenado / No mundo de hoje em dia.
Pra cultura levantar / Veio como um vendaval / Um
poeta original / Que é preciso mostrar / Eu venho aqui exaltar / Num momento
especial / Um nome em especial / Chamado Fábio Mozart.
Esse meu compadre Thiago Alves também é conservador, homem evangélico e
firme na sua fé tradicional. Ele defende a coletivização da poesia e a
socialização geral da propriedade privada do lirismo. Seu livro terá muitos
leitores, a julgar pela quantidade de homenageados e respectivas famílias.
***
Conheci no Salão do Artesanato Paraibano o poeta e ator Geraldo Arupemba,
o “matuto beradeiro”. No dicionário informal, “beradeiro” é o matuto
“amostrado”, brega, que gosta de fazer fuá em todo lugar. Arupemba é desse
modelo. Professor de História, abandonou a profissão de mestre para andar pelo
mundo com sua mala de folhetos de cordel e sua verve nordestina. Geraldo é meu
vizinho de barraca no Salão. Eu vendo meus folhetos de safadeza e ele anuncia
com estardalhaço seu livro “A doida paixão de um doido”. Resolvemos compor um
folheto com o título “Confissões de meus crimes quando eu era vivo”, uma
espécie de “Memórias póstumas de Brás Cubas” versão sertaneja e “paraíba”.
Já criei 20 estrofes em sextilhas. Eis o começo do nosso folheto em
parceria:
No tempo em que eu era vivo
Cometi alguns deslizes
Se fui um vil pecador
Eu não sei, assim o dizes
Mas acho que a perversão
É mal de muitas matizes.
Se minha vida maldizes
E o meu fim comemora
Farei aqui um relato
Dos meus pecados de outrora
Pra completar sua lista
Vou relatar nesta hora.
Mandei a vergonha embora
Mesmo porque já tou morto
Defunto não tem recato
Pra contar seu viver torto
Narrarei minhas infâmias
E sem nenhum desconforto.
Geraldo também iniciou sua cantoria póstuma:
Deu a gota! Eis-me morto.
Só agora compreendo
O tal do terceiro olho,
Porque continuo vendo
Toda esta patifaria
Que está acontecendo.
Ouço que estão dizendo
Muitas coisas sobre mim:
Elogios, comentários,
Alguns não supõem assim.
Falam bem deste matuto
Mas pensam: “ô cabra ruim!”
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