quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Livros que li no seu nascedouro

Eu e Arupemba no Salão de Artesanato


Compadres amigos poetas enviaram para mim seus últimos trabalhos em fase de acabamento para vir ao mundo incerto da cultura neste país onde autoridades públicas pensam e não têm vergonha de divulgar que querem moldar o país em consonância com os ideais nazistas. Abaixo, rápidas impressões deste leitor exordial.

“Desabafo de uma pedra”

O poeta Antonio Costta reflete sobre o social na maioria desses poemas. Sua linha de raciocínio às vezes sacrifica o jogo de palavras e o sentido oculto das locuções poéticas para falar da realidade nua e crua de seu universo. Uma obra de sagrada ira diante das injustiças terrenas e fé no Reino Eterno.

Li artigo onde um crítico literário faz avaliação ríspida sobre escritores de qualquer quadrante. “Todos já disseram tudo a todos que quisessem ouvir. Ninguém mais diz novidade. Tudo já foi dito”. De fato, a poesia de Antonio Costta, como de resto dos demais que assumem essa tarefa de expor suas ideias com palavras, sofre do mal da repetência. “Desabafo de uma pedra” é recapitulação dos males crônicos da humanidade. A hipocrisia, o desamor, a injustiça, todo o rosário da miséria humana é a pedra que atravanca o caminho. Cobiça, violência e degradação da vida impedindo que se viva em paz. Entretanto, nunca é demais combater a sombra do mal. E o poeta faz isso com a espada e a pedra angular do seu caráter e de sua fé.

A pedra angular era a pedra fundamental utilizada nas antigas construções, caracterizada por ser a primeira a ser assentada na esquina do edifício, formando um ângulo reto entre duas paredes. A partir da pedra angular, eram definidas as colocações das outras pedras, alinhando toda a construção. A pedra angular é o fundamento da construção. A convicção ética, o talento e a persistência de Antonio Costta são pedras angulares que refletem na sua obra poética.

Antonio Costta é uma pessoa de bom caráter, conservador, defensor da família, de sua religião e da estabilidade das instituições, entretanto pratica também uma poesia social. Sobre as Ligas Camponesas:
 
Foi uma liga ligando esperança  / De justiça social sobre a terra;  / Por um / tempo de paz e não de guerra, / Um tempo de igualdade e de bonança.

Mas essa liga mexeu co'a ganância / De quem o latifúndio pertencia;
Um combate desigual se inicia:  / Usineiros contra a pobre militância.


Antonio Costta me pede umas palavrinhas para a “orelha” do seu novo livro. De sua poesia, direi que sempre é uma celebração à palavra, no caso, desta palavra popular, ele que é cordelista e sendo o cordel considerado Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil. Sobre sua vida como intelectual e artista da palavra, registrar o lamento porque seu projeto de pintar poemas de itabaianenses nos muros da cidade não vingou por falta de atenção e vontade dos gestores públicos.


***

Outro livro que me chega no seu nascedouro para uma rápida palavrinha. Outro amigo velho, Thiago Alves, está finalizando “Homenagens poéticas”, onde esse artista de Itabaiana cumprimenta seus muitos amigos com poemas de exaltação na simplicidade do cordel e com a delicadeza dos homens bons. Thiago Alves compõe quadras e quadrões, sextilhas e martelos, toadas e cantigas oferecidas de Adeildo Viera a Zezita Matos, pela ordem alfabética, passando pela letra F onde eu fiquei cativado pelas estrofes a mim tributadas.
Sem fazer truque ou magia / Escrevo aqui afinal / Fazendo um memorial / Expresso na poesia / A um poeta de valia / Um jornalista arrojado / Um vate bem antenado / No mundo de hoje em dia.
Pra cultura levantar / Veio como um vendaval / Um poeta original / Que é preciso mostrar / Eu venho aqui exaltar / Num momento especial / Um nome em especial / Chamado Fábio Mozart.
Esse meu compadre Thiago Alves também é conservador, homem evangélico e firme na sua fé tradicional. Ele defende a coletivização da poesia e a socialização geral da propriedade privada do lirismo. Seu livro terá muitos leitores, a julgar pela quantidade de homenageados e respectivas famílias.


***

Conheci no Salão do Artesanato Paraibano o poeta e ator Geraldo Arupemba, o “matuto beradeiro”. No dicionário informal, “beradeiro” é o matuto “amostrado”, brega, que gosta de fazer fuá em todo lugar. Arupemba é desse modelo. Professor de História, abandonou a profissão de mestre para andar pelo mundo com sua mala de folhetos de cordel e sua verve nordestina. Geraldo é meu vizinho de barraca no Salão. Eu vendo meus folhetos de safadeza e ele anuncia com estardalhaço seu livro “A doida paixão de um doido”. Resolvemos compor um folheto com o título “Confissões de meus crimes quando eu era vivo”, uma espécie de “Memórias póstumas de Brás Cubas” versão sertaneja e “paraíba”.

Já criei 20 estrofes em sextilhas. Eis o começo do nosso folheto em parceria:

No tempo em que eu era vivo
Cometi alguns deslizes
Se fui um vil pecador
Eu não sei, assim o dizes
Mas acho que a perversão
É mal de muitas matizes.

Se minha vida maldizes
E o meu fim comemora
Farei aqui um relato
Dos meus pecados de outrora
Pra completar sua lista
Vou relatar nesta hora.

Mandei a vergonha embora
Mesmo porque já tou morto
Defunto não tem recato
Pra contar seu viver torto
Narrarei minhas infâmias
E sem nenhum desconforto.

Geraldo também iniciou sua cantoria póstuma:

Deu a gota! Eis-me morto.
Só agora compreendo
O tal do terceiro olho,
Porque continuo vendo
Toda esta patifaria
Que está acontecendo.

Ouço que estão dizendo
Muitas coisas sobre mim:
Elogios, comentários,
Alguns não supõem assim.
Falam bem deste matuto
Mas pensam: “ô cabra ruim!”



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