terça-feira, 7 de julho de 2009

Pé sujo em Jaguaribe

Jaguaribe é um bairro de João Pessoa onde nasceu a poesia de vanguarda na Paraíba, terra do Jaguaribe Carne, uma experiência cultural comunitária que marcou época, liderada por Pedro Osmar e seu irmão Paulo Ró, de onde saiu a arte de Chico César para o mundo. Hoje decadente, o bairro já foi um dos principais arrabaldes da capital. Jaguaribe da arquitetura mal conservada da Aderbal Piragibe, antiga Vera Cruz, deslumbrante com o casario do começo do século passado, um verdadeiro museu a céu aberto que está sendo destruído. Jaguaribe da antiga festa do Rosário, de mil tradições culturais e esportivas, berço dos maiores craques de futebol genuinamente pessoenses, citando os irmãos Chiclete, do Estrela do Mar, time do lendário Frei Albino, alemão que conseguiu ser campeão paraibano de 1959 com um time de coroinhas.

Jaguaribe hoje reduzido a algumas praças, precisando ser revitalizadas. Foram-se os centros de lazer dos habitantes do bairro, a violência já preocupa, os moradores mais antigos estão se mudando para a praia, a qualidade de vida vem decaindo. E os bares de Jaguaribe, nostalgicamente lembrados pelos boêmios? Hoje, temos dois bares que são referência nessa área. Por sinal, chamam-se Bar do Zé. Um é de propriedade do garçom Zé do Luzeirinho, antigo bar que reunia a fina flor da intelectualidade de João Pessoa nos anos 60/70. Lá declamou muita poesia o poeta Ronaldo Cunha Lima, bebeu muito uísque e criou pérolas literárias o falecido Raimundo Asfora. Luzeirinho fechado, Zé botou seu bar na Rua Floriano Peixoto, onde ainda hoje serve seus clientes com um tira-gosto famoso e o bom atendimento de um profissional com mais de 40 anos de batente. Ele disse que vai fechar o bar, desencantado com a falta de perspectiva no ramo e temendo a onda de violência. Recentemente roubaram seu Fiat Uno.

O outro Bar de Zé é um “pé sujo” que fica na Praça Odilon de Carvalho, onde funciona o Círculo Operário. A pracinha leva o nome do primeiro presidente do Círculo. É lá onde bato ponto quase todo dia, que ainda não sou diarista. O tira-gosto é de mal gosto, os copos sujos, a cana suspeita, mas a atração do barzinho são os seus frequentadores, figuras impagáveis, bebinhos folclóricos e grandes mentirosos.
O poeta Washington Araújo escreveu esse poema indignado:

Tire as mãos do meu pé sujo
Não venha com esta dinheirada
Não quero nome, sou um dito cujo
Deixe eu beber minha gelada

Tire as mãos do meu pé sujo
Vá pra lá com a sua limpeza
Não quero garçon sabujo
Só quero gelada na mesa

Tire as mãos do meu pé sujo
Quero garrafas em pilhas
No bar do Pereira ou do Araújo
Ovo pintado, fritas de trilhas

Tire as mãos do meu pé sujo
Fora chope de boutique
Vivo a passos de caramujo
Mas saúdo, hic, hic

Tire as mãos do meu pé sujo
Fecho as portas, não sou otário
Se vier com dinheiro, fujo
Quero amigos, não mercenário

Tire as mãos do meu pé sujo
O covil do amigo Zé
O feijão do dito cujo
A gente come de pé


Na confraria do bar de Zé é onde se sabe das fofocas mais atuais, os fatos do dia-a-dia que a imprensa não publica, as anedotas quentes, os causos e acontecências do bairro. Foi lá que se criou a expressão “chutar o balde”. Dá-se que no bar não existia sanitário, tendo o Zé improvisado um balde para as necessidades dos tomadores de loirinha. Foi não foi, um cara mais chumbado acabava por chutar o baldo cheio de mijo, daí... O Bar de Zé também pode ser classificado como “bunda de fora”, porque o local é acanhado. Quando está lotado, a metade do pessoal toma suas pingas na calçada mesmo, ou na pracinha.

“Pés sujos”, aqueles em que o garçom limpa a mesa com um pano e consegue deixá-la mais suja. As pessoas vão lá porque querem se livrar das pressões do cotidiano. A bebida, as piadas muitas vezes sujas, o blábláblá inconsequente e uma postura de todos sendo amigos de todos torna o bar atraente. Esta é a proposta.

Daria um livro a crônica das piadas feitas na hora, no boteco “pé sujo” de Zé. É famosa aquela em que um senhor evangélico entrou no bar para catequizar os papudinhos. “Nossa mensagem para vocês é esta palavra de Jesus: “O Filho do Homem veio buscar e salvar quem está perdido” (Lucas 19.10). Se você se sente perdido, Jesus está perto e pode fazer algo em sua vida”, declamou o protestante. Foi quando Maninho tascou: “Então vá salvar João Gonçalves, que ele ta perdidinho pra Ricardo Coutinho”. Na mesma linha, entrou um testemunha de Jeová e perguntou de chofre a Toinho Santiago, outro frequentador diarista: “Você está preparado para morrer?”. E Toinho: “Tou não que a cueca ta suja”.

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