sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Menina chorona


Gostava de chorar desde o berço. Nasceu chorando como todo mundo, pegou gosto e não parou mais o berreiro. Chorava por tudo, e por nada. Mirradinha, doente, parece que todas as suas forças eram direcionadas para o esforço de chorar. No seu passado nostálgico, as lembranças são sempre de prantos, às vezes forçados. Menininha chorona, soluçando chamava a atenção. As lágrimas eram sua linguagem particular, aflorando aos olhos por qualquer motivo, até mesmo sem motivo algum.

No seu livro “Memórias – antes que me esqueça”, José Américo de Almeida conta que foi também um menino chorão. “Desde os cueiros, o choro foi meu gênio, minha força de opinião, meu grande argumento”. Vendo-se contrariado, abria a boca no mundo. Às vezes faltavam lágrimas, mas “não entregava os pontos, rasgando a garganta, rouco e exausto”. Se levava palmadas, aí que o choro aumentava, até perder a voz.

José Américo acreditava que o choro é “um remédio infalível, dado por Deus ao gênero humano, aos próprios homens de ferro como Napoleão, Cromwell, Clemanceau, para que derramassem lágrimas com a mesma coragem com que derramavam sangue”. O escritor confessava que só não chorou de alegria “para não estragar meus melhores instantes”.
Hoje a menina, antes chorona, verte suas lágrimas silenciosas e ocultas, nas tristezas profundas, nos desgostos. Mas com dignidade e beleza. E espontaneidade. Uma característica é marcante nos dois chorões: tanto a antiga menininha choradeira quanto o escritor de Areia forjaram personalidades fortes, de vontades firmes, qualidade essencial das pessoas que muito choraram na infância.

O choro é o prelúdio de força de caráter. Meninos bonzinhos e quietinhos, quando adultos são predispostos à subserviência, obedientes e servis. Não servem para liderar, nem para conceber ideias originais, fora dos padrões estabelecidos. Mesmo tímida, a outrora menina chorona é adepta de inovações culturais e artísticas, não se curva diante de nenhum opressor, “liberdade é seu time”, conforme cantou o poeta popular.

Chorando a menininha se abastecia com a matéria-prima emocional que a tornou não influenciável, afetuosa e obediente só a regras de cunho interior. Firmeza e constância que a fez uma pessoa iluminada. De modo que crianças birrentas em excesso, olho nelas. Esses infantes podem ser futuros indivíduos muito especiais. Ou não...

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