segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Idalmo da Silva, o cangaceiro do bem, no pinga-fogo do Ponto Cem Réis



Esse cangaceiro com ar feroz chama-se Idalmo da Silva, uma criatura que tem solidariedade nas veias. Formado em Direito e sem jamais praticar um ato de bacharelice, Idalmo ingressou no Magistério estadual, de onde foi muitas vezes ameaçado de expulsão por ensinar aos seus alunos que existia vida além dos compêndios escolares. Com seus esbugalhados olhos de pitomba e sua fé no homem, foi o primeiro candidato a senador pelo Partido dos Trabalhadores na Paraíba e o primeiro ator a encarnar a personagem Lampião em minha peça “A Peleja de Lampião com o Capeta”, em 1976.

Idalmo tinha 15 anos e só vivia trancado no quarto, lendo velhos livros de filosofia, no bairro de Jaguaribe. O pai dele, preocupado com o isolamento do rapaz, convidou-o certo dia de 1958, para ver um espetáculo musical em praça pública no Ponto Cem Réis com a cantora Ângela Maria, o maior sucesso do rádio na época. Depois de muita insistência do velho, Idalmo foi ver a cantora e se encantou de tal forma com o largo que nunca mais saiu de lá. Passou a fazer parte da paisagem humana do Ponto Cem Réis. Por isso, João Pessoa sem Idalmo é coisa incompleta.

Nathanael Alves escreveu que o Ponto Cem Réis é o ponto de referência de vidas provincianas “que continuam solidárias porque se abraçam e trocam afetos de mão”. O jornalista Benedito Maia escreveu um livro sobre o Ponto Cem Réis, considerando aquele recanto de João Pessoa como uma universidade e seus vários departamentos; Recursos Humanos no Café São Braz, Relações Públicas no Cabo Branco, Anestesia no Bar do Miruca e Gabinete do Reitor no calçadão da Duque de Caxias. Essas referências hoje não existem mais. Desapareceram também o Café Alvear, a sorveteria Canadá, a fonte luminosa, o pavilhão dos engraxates e, principalmente, figuras humanas do tope de Alarico Correia Neto, Teócrito Leal, Evandro Nóbrega, Mário Santa Cruz, Raimundo Onofre, Clodomiro Paz, Mocidade, Mário da Gama e Melo, Plínio Lemos, Edísio Souto, Gilvan de Brito, Ramalho Leite e muitos outros. Uns foram para o andar de cima e outros desviados pela vida para outros cenários.

O jornalista João da Veiga Cabral, declarou que aquele era “o centro cardíaco da cidade”. Numa reportagem, ele provou que era possível o sujeito nascer, viver e morrer sem nunca sair do Ponto Cem Réis. Não é o caso de Idalmo, que nasceu em Jaguaribe mas garantiu sua humanidade e seu relacionamento com o mundo na pulsação e vibração das rodas de boatos daquele centro, onde “se pode trabalhar e destrabalhar” na imensa vida social pulsante do largo, objeto de tantas intervenções da Prefeitura, mas que continua com seu espírito. Muda-se a paisagem, permanece a alma do Ponto Cem Réis.

Idalmo da Silva ainda faz ponto no Ponto Cem Réis. Meio desgarrado, um tanto perdido, de vez em quando recebe visita de Tenente da Gelada com sua loucura lúcida, acompanhado do “poeta” Caixa D’água. Vêm seguidos por Alegria e Mocidade, um levando a alma do circo e o outro declamando discursos cívicos. Virgínius da Gama e Melo também ronda a praça, batendo altos papos literários com Edson Ramalho, Petrônio Figueiredo, Flóscolo da Nóbrega, Geraldo Porto, Major Ciraulo e Botto de Menezes, ao som carnavalesco de Livardo Alves. A nova paisagem do Ponto de Cem Réis não lhe tirou o lirismo.

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