terça-feira, 8 de novembro de 2011

Fotógrafo italiano e assentado paraibano lançam livro bilíngue sobre vida do camponês brasileiro

Carmelo Fioraso e João Muniz - Foto: Ascom/Incra

“Immagini di Resistenza - Resistir para existir”. O título do livro do fotógrafo italiano Carmelo Fioraso com versos do poeta paraibano e assentado da reforma agrária João Muniz da Cruz Filho, 31 anos, resume a vida do camponês brasileiro que luta para resistir à concentração fundiária e conquistar o direito de trabalhar a terra. Lançado em seis municípios italianos, o livro, escrito em italiano e português, foi lançado no assentamento Almir Muniz da Silva, no município de Itabaiana (PB) – onde vive João Muniz –, no último sábado (5), diante de assentados e lideranças da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A obra foi produzida na Itália pela Editora Safigraf, com tiragem de 2 mil exemplares, e retrata através de fotografias e poesias a vida do camponês nordestino do litoral ao sertão, com destaque para as regiões canavieiras.
Após os discursos dos autores do livro, o lançamento seguiu com a apresentação dos poetas repentistas Antônio Augusto Moreira e José Martins, também assentados em Almir Muniz.
“Fiquei encantado com os versos de João Muniz. As fotografias são muito bonitas, mas as mensagens, os versos que ele criou, são igualmente bonitos e mostram a história de um povo, seu sofrimento, sua luta, sua esperança e a conquista da terra”, afirmou Fioraso, acrescentando que conheceu o assentado poeta em um seminário regional da CPT realizado em maio de 2010.
Segundo o fotógrafo, as fotografias, que serviram de inspiração para a criação dos versos por João Muniz, surgiram sem a pretensão de serem publicadas em livro e foram frutos de uma viagem de dois anos por regiões canavieiras – inclusive no Estado de São Paulo, para onde migram agricultores nordestinos –, comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, acampamentos de trabalhadores rurais sem-terra e assentamentos da reforma agrária da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Rio Grande do Norte.
“Tinha, como a maioria dos estrangeiros, uma ideia totalmente diferente do Brasil. Encontrei um mundo desconhecido, uma realidade muito específica, que me deu uma visão diferente do país e um entendimento maior do mundo. As fotos não mostram degrado; apesar da realidade de sofrimento, elas revelam dignidade”, afirmou Fioraso.
Para ele, os aspectos que mais o tocaram em suas viagens pelo interior brasileiro foram a luta da vida cotidiana e a mistura de força, sensibilidade e grande espiritualidade – características que, segundo Fioraso, são difíceis de encontrar na Europa.
“Com o livro, pessoas de outros países estão conhecendo meu trabalho. Foi uma oportunidade única, muito gratificante, e não esperava que o livro fosse fazer tanto sucesso”, afirmou João Muniz, que além de poeta, toca violão e já participou de uma banda de forró.

Filho de repentista
            Nascido no povoado camponês Mendonça dos Moreiras, em Itabaiana (PB), João Muniz da Cruz Filho acompanhava, desde criança, o pai e o padrinho, poetas repentistas, nas feiras e festivais da cidade.
            Artista analfabeto, o pai deixou como herança mais do que o dom de criar versos: a luta por melhores condições de vida no campo. “Quando meu pai faleceu comecei a representá-lo nos encontros e, a partir de 2004, com a consciência política que adquiri com o curso de magistério, passei a escrever poesias principalmente sobre a luta pela terra”, contou, acrescentando que já escreveu cerca de 100 poesias.
            O envolvimento na luta pela terra rendeu a João Muniz uma vaga na Conferência Nacional da Juventude, de 8 a 12 de dezembro, em Brasília, onde vai representar os jovens dos assentamentos rurais paraibanos.
            Aluno do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), João Muniz concluiu, em 2008, o curso técnico em magistério e vai concluir em dezembro o curso superior em Pedagogia do Campo – ambos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
            Com o título “A arte da poesia na cultura popular no assentamento Almir Muniz e em Mendonça dos Moreiras”, João Muniz pretende resgatar, em sua monografia de conclusão do curso de Pedagogia do Campo, os poetas populares da zona rural paraibana.

Assentamento Almir Muniz
            Criado pelo Incra em 2004, o assentamento tem cerca de 417 hectares e 24 famílias assentadas. A produção – uma das maiores em assentamentos paraibanos – é variada: milho, feijão, mandioca, macaxeira, inhame, batata doce, amendoim, cana de açúcar e capim para a ração animal.
            Os assentados possuem cerca de 300 cabeças de gado, mil cabras e carneiros, e criam pequenos animais, como galinhas, patos, perus e galinha de angola (guinés).
            Uma das maiores produções é a de mandioca, que chega a aproximadamente 300 toneladas por ano. Antes, a comercialização do que era produzido no assentamento era feita principalmente por atravessadores, mas, este ano os assentados passaram a fornecer alimentos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
            A fazenda Tanques, que deu origem ao assentamento e possuía um canavial com mais de 200 hectares, foi marcada por conflitos que culminaram com o desaparecimento do trabalhador rural Almir Muniz da Silva, 40 anos, ocorrido em 29 de junho de 2002.
            “Com o assentamento a vida melhorou 100%. Antes, quando eles eram moradores da fazenda – algumas famílias há cerca de 70 anos – e trabalhavam com cana de açúcar, eles mal tinham o que comer; hoje cada família tem pelo menos um carro ou uma moto”, disse João Muniz.        

Carmelo Fioraso
Natural de Valdagno, Itália, Carmelo deixou a Europa no início dos anos 2000, através do Voluntários Sem Fronteiras, para percorrer a África, a Austrália e a América. Em Pernambuco, começou a trabalhar com jovens da periferia de Recife. Dedicou-se ao turismo social e, em 2004, juntou-se à Comissão Pastoral da Terra (CPT) na luta pela reforma agrária e pelos direitos humanos.
Visitou acampamentos, comunidades tradicionais e assentamentos, do litoral ao sertão, registrando em fotografias a vida dos agricultores e contribuindo para o fortalecimento das organizações camponesas.

Trecho de poesia de João Muniz no livro “Immagini di Resistenza - Resistir para existir”

A casa do camponês
Com bela ornamentação
Fogão de barro a lenha
Panelas sobre o fogão
Fotografias na parede
Uma mesa e uma rede
Tamborete pra sentar
Um jumento, uma cangalha
Uma casinha de palha
Ô lugar bom de morar

(Ascom/Incra-PB)

Um comentário:

  1. Maravilhoso esse poeta, ele tem belas poesias, já o vi em algumas apresentações sou fã de joão Muniz, parabéns Mozart gosto do seu trabalho um abraço.

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