segunda-feira, 17 de maio de 2010

Enterrando as penas do passado


Dizem que se pode enterrar o passado, mas de alguma forma ele sempre consegue escapar. Não sei quantas vezes reli a coleção do jornal “A Folha” que pertence ao meu pai Arnaud Costa, antigo redator, gerente, repórter, cronista e tipógrafo deste que é o mais antigo jornal oficial do interior paraibano e que, no momento, encontra-se em estado de hibernação. Só agora percebo o pequeno anúncio publicado em 18 de julho de 1933:

“A fiscalização da Prefeitura avisa por nosso intermédio que serão presas todas as galinhas que forem encontradas soltas nas ruas e praças da cidade, e entregues ao Hospital São Vicente de Paula, onde ficarão depositadas para servir às necessidades alimentícias dos doentes ali internados”.

Era no tempo em que só se comia galinha quando um dos dois estava doente: ou a galinha ou o suplicante apreciador das penosas. As galinhas “capoeira” ou “caipira” também eram conhecidas por “pé duro” e “pé sujo dos terreiros”, resultado do cruzamento aleatório de várias raças. Sempre foram o pé de meia da população pobre, boas de criar soltas por serem rústicas e resistentes às doenças. Enchendo o papo, imagino que dezenas de galinhas viviam soltas pelas ruas da velha Itabaiana de 1933, sujando as calçadas da rua principal, cenário comum nas pequenas cidades. A partir do decreto do prefeito Coronel João Luiz Freire, os galináceos não tiveram vida fácil. Bobeou, ia pra panela do Hospital, servir de canja para os doentes.

Traçando uma breve e inconsequente leitura sociológica do caso, imagino que o prefeito anterior, o chefe político Fernando Pessoa, era um administrador liberal, que não se importava muito com a higiene da cidade. Compreendia as necessidades mais prementes do povo pobre de sua terra e deixava que criassem seus bodes, galinhas e porcos no meio da rua. Seu sucessor, Coronel João Luiz Freire, devia ser um sujeito mais autoritário ou, quem sabe, dotado de lampejos de modernidade e já pensasse em um projeto de código de postura para seu município pouco civilizado. Depois a proibição se estendeu a quem pisasse um canteiro público das praças bem cuidadas. Urinar ou defecar fora dos locais apropriados, jogar pedras ou arrancar frutos das árvores, tudo isso acarretava pesadas multas para os transgressores. Na época, conta-se que houve um pesado bate boca na Câmara Municipal, porque um vereador defendeu os cachorros da proibição de andarem soltos pelas ruas. “São os melhores amigos do homem, devem ter passagem livre”, defendia um vereador. Não se sabe o resultado de tão envolventes debates. Esse é o material com que é tecido o cotidiano das províncias. Fala-se até que um determinado vereador apresentou projeto proibindo os cães de latir depois das dez horas da noite.

Nos dias de hoje, percebe-se o vazio legal, ou a falta de autoridade, quem sabe o desinteresse puro e simples dos gestores públicos. Urina-se nas calçadas, ouve-se som altas horas da noite em altos decibéis, as praças e centro da cidade viraram feiras sem ordem, barracas espalhadas pelas calçadas e praças, enfim o caos urbano estabelecido, em pleno século XXI. Portanto, no ano de 1933, Itabaiana mostrava ter ordem e urbanidade. Regredimos?

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