Foi no dia 9 de maio de 1981 na cidadezinha
Itabaiana do Norte. No mês anterior, duas bombas explodiram em um carro no
Pavilhão Rio Centro, no Rio de Janeiro. Seria o último ato de terrorismo de
Estado cometido pela ditadura. O Presidente General João Figueiredo ameaçou
prender e arrebentar quem sabotasse a democracia arquitetada pelos militares
depois de dezessete anos de regime ditatorial. Eu e mais uns três ou quatro
gatos pingados, acanhados e temerosos, mas esperançosos, criamos o Partido dos
Trabalhadores em Itabaiana. Na época, falar em partido de esquerda já era uma
temeridade, imagine fundar um. A ata foi assinada pelo juiz eleitoral Reginaldo
Antonio de Oliveira. Já lá se vão 39 anos!
Fui eleito presidente da junta provisória
do Partido dos Trabalhadores. O secretário atendia pelo nome de Joacir Avelino
e o tesoureiro Roberto Palhano, que viria a ser nosso primeiro e único
candidato a prefeito da cidade pelo PT, obtendo 268 votos. Éramos artistas
amadores e acreditávamos que a arte tinha esse caráter pedagógico e libertador
e que todo criador teria a missão de se comprometer com as causas e
transformações políticas da sociedade. Fui autor de uma peça teatral intitulada
“O camponês a caminho do calvário”, censurada até pelo bispo D. José Maria
Pires.
Lembro que, para obter o número de
assinaturas de filiados a fim de registrar o partido, apelamos para os
amigos em mesas de bar, as meninas dos cabarés, familiares e namoradas. Minha
namorada assinou a ficha nº 1 e veio a sofrer vicissitudes no meio familiar e
pressão da mandona política da cidade.
Já naquela época a gente operava em sistema
de rede, mas era rede de pescar piaba no Rio Paraíba e comer com cachaça nas
reuniões do partido. Intentou-se até na formação do sindicato das profissionais
do sexo e afins, sendo esse “afins” dignamente representado por Nega Tonha, uma
travesti do cabaré de Topada. O debate político era feito no palco do grupo
teatral, no oitão da igreja, na beira do rio e nos lupanares. Não fizemos a
revolução, mas mexemos um tantinho assim no quadro geral da estrutura política
e da realidade social. Depois o partido caiu na decadência ideológica e caímos
fora. Continuamos anti-imperialistas, antiglobalização, anticapitalismo
selvagem, antifascismo e libertários. Uns mais, outros menos. Muitos caminhos
conduzem à decrepitude, à velhice. Alguns se perderam na evasão de si, no medo
do diferente, no exílio em ilhas, no chamado do consumismo, na insolidariedade.
Dos meus antigos companheiros, tem deles que contraíram a humanofobia e hoje
defendem bandeiras ridículas de extrema direita.
De qualquer forma, o Partido dos
Trabalhadores balançou as mentes de alguns rapazes de minha época numa cidadezinha do interior, na conjuntura política do país dominado por uma ditadura em agonia. Teve seu momento de significação. Esta ata será entregue ao meu compadre
Renilson Bezerra, Presidente atual do partido, de forma que nossa história
remota ajude a captar as lições do presente, mantendo o sonho, apreendendo as
incertezas sobre nosso futuro, a grande incógnita política e social da direita
radical no poder.
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