sábado, 31 de dezembro de 2016

Última crônica do ano


Se não tenho certeza, pelo menos uma probabilidade lógica: lá se vai o homem, imortal no tempo que convencionou e no qual se ajusta como pode. A criatura primitiva trabalhava com 700 centímetros de caixa craniana. Hoje, nós modernos acomodamos nosso cérebro em uma caixinha de 1.200 centímetros cúbicos e ainda assim não concebemos o começo, meio e fim. Não sabemos se fazemos parte de um plano geral arquitetado por um deus ou se somos apenas uma insignificante granulação de energia.

De qualquer forma somos imortais, com essa dinâmica toda de saber que vamos morrer. E lá se vai o homem, deixando na lembrança e na esperança sua perpetuidade.

Heráclito: “você não molhará duas vezes os pés no mesmo rio.” Eu, que sou avesso às águas turbulentas de qualquer riacho, diria: “você não molhará os pés nem mesmo uma só vez no mesmo rio.” O fato é que esse ano de 2016 se arroga o direito de ter sido um ano cabra safado acima da média. Para terminar, meu pai partiu para os contratempos e contraluzes do inexplicável. Eu fiquei aqui, ainda procurando a estrela inatingível, investindo contra moinhos e tentando ser útil.

Vou esperar 2017 mangando dessas convenções, mas fatigado por causa de 2016 e sem querer culpar ninguém porque não fui bem em algumas provas desse circuito. Azares do jogo. “Julgarás a ti mesmo – disse o Rei ao Pequeno Príncipe. – É bem mais difícil, mas, se o fizeres bem, então serás verdadeiramente um sábio.”

No meu julgamento, fui achado culpado por omissões e algumas ações canalhas. Como pregador da “verdade”, admiti dogmas e quis empurrar essas minhas crenças nas pessoas, ao mesmo tempo em que falava mal dos neopentecostais e sua violenta ação midiática e de resultados. Vou em frente, querendo agir menos calhordamente. Nenhum julgamento é definitivo. Como produto final de mutações de milhões de séculos, você está sempre em fase de teste.

Nessas microevoluções, você nem nota que amadurece ou apodrece. Meu único desejo para 2017: que meu cérebro viciado nos mesmos movimentos racionais não me obrigue a suportar uma sociedade injusta, por achar inútil protestar. Quero ser co-autor da morte de 2016, um ano calhorda, e, em última análise, criar 2017 segundo a imagem e semelhança de um macaco em formação, condicionado por mecanismos bioquímicos, mas com uma ligeira perspectiva do eterno.


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