Páginas

domingo, 22 de março de 2015

POEMA DO DOMINGO



Conselho de pai

Quando eu era bem pequena
Me lembro com precisão
De meu pai me olhando sério
Me ensinando uma lição
Encarando de mansinho
Como quem cuida do ninho
Com amor e sem desdém
E medindo cada gesto
Me disse em tom de protesto
“Vou lhe falar pra seu bem”.

Com o peito acelerado
Como quem prevê o mal,
Fôlego curto, olho cerrado,
Procurando algum sinal
Logo assim lhe respondi:
Pronto, já estou aqui
E com todo meu carinho
Mesmo pensando em fugir
Preferi então ouvir
“Pode dizer, meu painho”.

Lentamente começou
Com carinho e com apreço
Assim ele me falou:
Hoje sei que não mereço
Vou viver esse momento
Mas pensei, seria homem
O meu primeiro rebento
Só que quando ouvi seu choro
Nem precisei de consolo
Nunca tive em mim lamento

Hoje tenho cá comigo
Uma preocupação
Sei que você é criança
Guarde isso na lembrança
Pois os dias passarão
Vou te ver ainda moça
E depois uma mulher
Quero então que saiba logo
Desde agora eu lhe rogo
Pra não ser uma qualquer.

Já fiquei aperreada
Com o coração na mão
Pensando que era culpada
Sem ter feito confusão
E temendo uma corsa
Minha mente ainda força
Procurando uma visão
Me pergunto com angustia
Se não fiz nenhuma astucia
Pra que vou levar sermão?

Quando estou de orelha posta
Temendo a reclamação
Já preparando a resposta
Para minha proteção:
“Sei que um dia irás casar
Quero com muito orgulho
Poder guiá-la ao altar
Mas pra isso acontecer
Você vai me prometer
Dos poetas se afastar

Sei que sou ainda nova
Muito tenho pra aprender
Mas sem lhe tirar a prova
Me ajude a entender
O que tem de mal comigo
Que nem mesmo como amigo
Posso ver um cantador?
Sempre pensei, natural,
Não haver nada de mal
Em um canto de amor.

Vou falar diretamente
E sem muita enrolação
Não vou ficar pra semente
E um dia eu desço ao chão
Sei que mais parece drama
De quem tem medo de fama
Essa minha petição
Mas quero dizer somente
Que poeta não é gente
É a imagem do cão.

Credo em cruz Ave Maria
Chega inté me arrepiei
De onde o senhor tirou isso?
Bati na mesa três vez
Que mal faz o ser poeta
Pra desse jeito julgar?
Agora fiquei de alerta
Eu vou ser é mais esperta
E pra me manter mais certa
Melhor eu nunca casar

Eu te amo filha minha
Bem queria que assim fosse
Mas conheço minhas crias
E sei como o mundo é doce
Por isso só me escute
E do conselho desfrute
Vou te dar explicação
Poeta é tudo demente
Tem problema com a mente
Tudo sofre da visão

Olha o que ninguém mais vê
Vive como quem morreu
Mostra mesmo sem TV
O que nunca aconteceu
Vai te enchendo de conversa
Pois quando se é poeta
Tem jeito de fazer crer
Que dá pra brincar com o tempo
Dá para voar no vento
Te enrola sem perceber

Vivem assim de desatino
Eles nunca têm horário
Botam a culpa no destino
Quase nunca têm salário
Mostra a pedra no caminho
Diz até que é passarinho
Que passará e já passou
Quando menos se dá conta
Você caiu como uma tonta
E ele já se aproveitou

Vai dizer que é amor
O calor que nunca é
Vai ensinar o que é dor
E vai te tirar a fé
Se te mostrar só um verso
Vai te virar do inverso
Pois poeta é fingidor
Vai brincar de ser eterno
Chamar de céu o inferno
E te deixar sem pudor

Então tá certo, painho
Depois dessa exposição
Não tem como me negar
Ou fazer mal criação
De poeta fico longe
Como a lascívia do monge
Penso até em me guardar
E depois desse detalhe
Pra que eu não me encalhe
Um presente vais me dar:

Ler livro de toda parte
E uma mesa pra missão
Quero ver o que é arte
Pra entender sua lição
Quero papel e caneta
Pois eu preciso escrever
Quero mais conhecimento
Ter todo esclarecimento
E depois entendimento
Pois poeta quero ser

Nunca serei mulher dama
Nem mulher de cabaré
Nem muito menos mucama
De algum homem qualquer
Falando em voz de profeta
Quero também ser poeta
Sem deixar de ser mulher
Quem escreve não se aquieta
Nessa vida não tem meta
Pode ser o que quiser.

Renaly Oliveira


Nenhum comentário:

Postar um comentário