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domingo, 1 de março de 2015

POEMA DO DOMINGO


O real

Como posso reconhecer o real
se para mim as sombras se movem
e amigos imaginários
declamam poesias infames ao meu ouvido?
E tudo soa tão engraçado
quanto uma vida sem graça,
que segue sempre caindo em desgraça,
de quem logo quando sai pela manhã
de tão usada se solta a sandália,
e o calçamento como uma navalha
quase me arranca do pé o dedão,
pra completar me desequilibro,
tombo, caio com a cara no chão,
ainda tenho que me erguer sorrindo,
sentindo dor continuo fingindo
e acenando pra multidão.
Pra quem me viu cair, engolir o choro e sorrir
e nem sequer me estendeu a mão.
Mas isso pra mim é só o começo do dia,
é só a primeira aparição,
de alguém que depois da queda
segue desconsolado,
cabeça baixa e semblante cerrado
a caminho da padaria,
enfia a mão no bolso e percebe
que junto com a unha do pé
perdeu também o dinheiro do pão,
só me resta voltar pra casa sombrio,
ficar um pouco mais de estômago vazio
e entender que o jeito é seguir calado
se contentando com um café gelado
e tentando enganar a fome,
esperando a hora do feijão.
Agora com fome eu te pergunto,
meu real é igual ao seu?
O meu são sombras que se movem
e poesias de quem nem sequer viveu,
ou estará tudo preso a minha visão,
não será só alucinação?
Pela falta do pão, do café da manhã
ou da fé no amanhã, de quem não vive
e apenas sobrevive, engolindo tudo sem comer nada,
sentindo a dor do vazio e se contentando
com um sorriso frio das sombras
que nunca estendem a mão e os amigos imaginários
que falam de agonia e isso soa como poesia
dizer que é pra mim um amigo,
do tipo que me vê parado
e não pergunta o que há de errado enquanto
morro de inanição, pelo menos tenho um consolo
que não me deixa um completo tolo,
é que com esse amigo eu conto,
um dia este me estenderá a mão,
nem que seja em um último momento
quando for fingir um lamento
na hora de carregar meu caixão.


Renaly Oliveira

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