Histórias de seu Arnaud

Arnaud com sua candidata a vice-prefeita, Zorah Lira, nos anos 70 em Itabaiana do Norte

Meu pai, de 85 anos, vive nas sombras do glaucoma e na solidão dos que têm seus movimentos tolhidos por acidente vascular cerebral, mas não perde o humor e a memória fantástica. Assim o veterano locutor, cronista e cultor do Direito aproveita os domingos com os filhos para relembrar antigas histórias de sua Itabaiana.

Ontem passei o dia com ele, ouvindo músicas antigas e anotando as informações mais interessantes pra botar aqui na Toca, que segunda-feira é dia ruim pra caçar assunto.

Seu Arnaud ouviu a reprise do programa “Alô comunidade” que a Rádio Comunitária Araçá, de Mari, transmite aos domingos. O programa entrevistava a poeta Zorah Lira, conterrânea de pai e sua companheira de chapa quando ele disputou eleição para prefeito de Itabaiana em épocas antigas. (Nota: eu queria escrever priscas eras, mas essa expressão não se usa mais. O adjetivo prisco serve como exemplo de como as palavras podem morrer por falta de uso popular, mas essa palavrinha era muito usada pelo jornalista Arnaud Costa nos seus tempos de cronista).

Pois bem, nas tais priscas eras, a poeta Zorah Lira estudava na Universidade para ser advogada. Quando alguém perguntava se ela estava fazendo Direito, a bem-humorada cantora respondia:

--- Eu acho que estou fazendo direito, porque até agora ninguém reclamou.

E veio um episódio de nossa família, que eu não sabia. Meu avô costumava aconselhar à sua filha única, tia Cícera:

--- Case com quem quiser, menos com soldado de polícia.

Acontece que, por arte dos pecados contra a castidade e contra os conselhos paternos, ocorreu um crime de morte na cidade Itabaiana do Norte que abalou a sociedade de cima e espalhou brasa na de baixo. Explico: vivia na cidade um rapaz por alcunha Pedro Cabeção, sujeito meio problemático, inimigo de todos os códigos, desde o penal ao de trânsito, de boa família, como se costumava dizer. Era tio de Hugo Saraiva, que depois veio a ser prefeito do lugar, e irmão de Luiz Saraiva, pessoa bastante conceituada na elite local, dono de uma farmácia. Pedro Cabeção vivia amasiado com uma mulher do chamado baixo meretrício. Dessa vida amorosa conturbada adveio um caso de assassinato. Cabeção matou a mulher com um golpe de pino de ferro, daqueles usados para engatar vagões de trem.

Minha tia Cícera andou boatando que sabia detalhes desse relacionamento da vítima com o acusado, motivo pelo qual foi prontamente intimada a comparecer perante o Juiz, comunicação essa lavrada pelo escrivão Pedro Vieira, o qual ainda exercia o ofício de alfaiate e tocador de tuba na Banda 1º de Maio. O soldado Adalberto Ferreira da Cunha foi levar a intimação, ocasião em que se enamorou da testemunha, levando-a ao altar poucos dias depois, para desgosto do meu avô. A família tentou de tudo: clínico geral, psicólogo, psiquiatra, pai de santo, benzedeira, sessão de descarrego etc. E tudo deu em nada. O soldado foi sentar praça no terreiro dos Costa.

Graças ao seu modo truculento de ser, o soldado Adalberto foi promovido a cabo, depois sargento, sem saber ler nem escrever corretamente. Naquele tempo, militar era promovido por bravura. O Adalberto era um sujeito bravo desde pequenininho, quando acendia foguetão em rabo de gato e passava pimenta na dentadura da avó.

Conforme testemunho do seu cunhado Arnaud Costa, esse sargento Adalberto foi trabalhar como delegado em Serrinha, atual Juripiranga. Em sua casa funcionava a delegacia e o xadrez. Passava as noites surrando presos e, de dia, baixava a lenha na mulher, para não perder o ritmo. Minha tia Cícera não suportou as surras homéricas e largou o sargento, que, com desgosto, foi ser volante nas tropas que andavam caçando remanescentes de cangaceiros no alto sertão da Paraíba. Morreu baleado em Itaporanga, depois de desarmar um sujeito na rua.

--- Esta é a última arma que você toma de um cidadão – ameaçou o camarada.

De fato, à noite, ele e um irmão executaram o sargento Adalberto com mais de vinte tiros.