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terça-feira, 29 de setembro de 2009
O VELHO E OS DRAGÕES DA MALDADE
Era um velhinho desassombrado. Desde moço, comprava as brigas dos outros. Advogado, defendeu com coragem e altivez as vítimas dos regimes autoritários brasileiros. Brigou contra o regime fascista de Getúlio Vargas; defendeu Luiz Carlos Prestes após sua prisão quando tentaram um levante comunista em 1935; teceu armas em favor do escritor alagoano Graciliano Ramos; advogou para Carlos Lacerda e Miguel Arraes; delirou com a campanha das “Diretas Já”, enfim, esse velhinho que só trajava ternos pretos (dizem que um político campinense ainda hoje é fiel a esse estilo, em homenagem a ele), foi considerado o “brasileiro do século vinte”.
Aos 75 anos, ele teve que se levantar contra outro governo autoritário. Foi quando as Forças Armadas obrigaram o Presidente Costa e Silva a assinar o Ato Institucional nº 5, fechando o Congresso e jogando o País em uma ditadura feroz. Os militares começaram prendendo todo mundo que pensava e tinha opinião: professor, jornalista, advogado, estudante, político, artista e até boêmio. Nem precisava ter culpa no cartório, bastava ter consciência das coisas e oferecer perigo ao regime de exceção que se instalava.
No seu livro “1968 – o ano que não terminou”, Zuenir Ventura conta que um major e seis soldados arrombaram o apartamento do advogado Sobral Pinto. O major foi logo gritando:
--- Eu trago uma ordem do presidente Costa e Silva para o senhor me acompanhar.
Sentado estava, sentado Sobral ficou.
--- Meu amigo, o marechal Costa e Silva pode dar ordens ao senhor. Ele é marechal, o senhor é major. Mas eu sou paisano, sou civil. Se esta é a ordem , então o senhor pode se retirar porqueu não vou.
--- O senhor está preso! – gritou o major.
--- Preso coisa nenhuma!
Os seis homens arrastaram o velho e o levaram para um quartel, onde um coronel perguntou:
--- O senhor é patriota?
Sobral foi duro mais uma vez:
--- O senhor engula o que está dizendo! Eu sou patriota, o senhor não. O senhor vive às custas do Estado e está ajudando a estuprar a democracia do meu País!
--- Retirem esse homem e o ponham na prisão – ordenou o coronel.
Foi nessa pisada que Sobral Pinto enfrentou a ditadura militar que se instaurou a partir de 1968.
Quando esse grande brasileiro completou 85 anos de idade, meu pai Arnaud Costa (que ontem comemorou 80 anos) instalou um escritório de advocacia em Itabaiana e botou o nome dele como homenagem ao notável advogado. Heráclito Sobral Pinto enviou a seguinte carta, agradecendo a deferência:
“ Rio, 23 de janeiro de 1978
Drs. Arnaud Costa, Josué Dias de Oliveira e Juraci Marques Ferreira:
Envio-lhes, como de obrigação, o meu abraço cordial, desejando-lhes, ao mesmo tempo, um ano de 1978 repleto de venturas e triunfo.
Recebi, envaidecido, o convite para as solenidades de inauguração das instalações do escritório a que deram o meu modesto nome.
Confio em que compreenderam a impossibilidade em que estive, de atender ao honroso convite. A enorme distância que me separa de Itabaiana, Paraíba, o custo alto das passagens e minhas atividades profissionais impediram-me de assistir, como gostaria, às mencionadas solenidades.
Nutro a convicção de que adotando o meu nome para distinguir o seu escritório de advocacia é porque têm o propósito de adotar, na vida profissional, os princípios, as normas e as praxes que sempre orientaram a minha atividade de professor, de advogado e de homem público.
Meu interesse é que no interior do Nordeste atue um centro de atividade jurídica e cívica que se empenhe, permanentemente, em defender os preceitos da justiça e dos ditames do Direito. Que esse escritório sirva de garantia a todas as pessoas que trabalham pela manutenção, na região de Itabaiana, de um clima de dignidade pessoal e de respeito, tanto à liberdade individual quanto às liberdades públicas.
O grande problema do Brasil na atualidade é a formação pacífica de uma opinião pública esclarecida e voluntariosa, que se disponha a lutar, em todos os quadrantes do País, dentro do direito irresistível, por um governo do povo.
Cordialmente, seu colega agradecido,
a) H. Sobral Pinto”.
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