Já fui escravo!
10 MINUTOS NO CONFESIONÁRIO – 139
https://www.radiodiariopb.com.br/ja-fui-escravo-dez-minutos-no-confessionario-episodio-139/
Já fui escravo!
10 MINUTOS NO CONFESIONÁRIO – 139
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Aos treze anos de idade, o menino Luzimar sentiu cair lágrimas pelo
rosto no meio da feira de Nazarezinho, ouvindo o folheteiro cantar “A seca do
Ceará”, de Leandro Gomes de Barros, o rei da poesia do sertão e do Brasil,
conforme afirmava Carlos Drummond de Andrade. Pra um garoto alesado naquelas
brenhas, bestar no meio da feira era viajar por múltiplos universos encantados,
sendo que o folheto enchia a caixa dos peitos do matuto da emoção mais
escarafunchante e empazinadeira que se sentia naqueles tempos do ronca. A
pessoa corria o sério risco de virar também poeta, e foi o que aconteceu com
Luzimar. O garoto foi pegando o manejo dos versos e começou a
rascunhar as primeiras estrofes. Desde as primeiras leituras, Luzimar começou a
entender que os fila de uma égua dos capitalistas faltavam com o respeito ao
povo trabalhador, e começou a escrever folhetos invocados com essas injustiças
da gota serena. Desde mocinho, Medeiros Braga direciona seu discurso poético
popular como porta-voz das questões sociais e essa voz social, marcada pela
poesia da língua, explorou temas inspirados em ocorrências históricas, como o
“Massacre de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto”. Sua poesia socialista fala de
insurreição no campo, exaltação à luta, capitalismo, poder e exploração,
miséria do Nordeste, e por aí vai.
O cordel sempre foi, naturalmente, a voz do povo. A sociedade dominante
dá o tom nas comunicações, em todo o tempo foi assim, mas, o papel da poesia de
cordel na luta do oprimido, aquela coisa de sentir dor pela dor dos outros, é
frequente nos folhetos de feira. Medeiros Braga se sobressai pela coragem e
consciência política. Passou setenta anos rimando combate com denúncia. Talvez
por isso jamais foi lembrado para ingressar na Academia Paraibana de
Letras, lugar em que a literatura de cordel não entra nem pretende entrar.
Em sua biografia se lê: “Como um estudioso e conhecedor in loco dos
problemas agrários que agridem o homem do campo, Medeiros Braga escreveu um
romance onde os agricultores, empobrecidos pela troca desigual, são instados a
se insurgir contra as elites dominantes. Medeiros Braga afirma que ‘A poesia
precisa ser o arauto da liberdade, o brado ardente contra os usurpadores dos
direitos do povo’. O artista dedica-se a um trabalho educativo e de conscientização
política do povo.”
Em recente reunião com o jornalista Fernando Moura, Presidente da
Fundação Casa de José Américo, sugeri que aquela entidade, em coparticipação com
a Academia de Cordel do Vale do Paraíba, armasse um evento pai d’égua pra
homenagear Medeiros Braga enquanto ele ainda está pelejando em cima desse
planeta, porque é um poeta raçudo, autor de uma obra de sustância, e mesmo
assim seria só triscar no que merece de consagração e encômio esse bardo
vanguardista e insurgente.
Em artigo para o site da Academia de Cordel, reiterei
que um
artista desse nível merece ter seu nome imortalizado, esse que, pela sua
poética social, comparo com o francês Victor Hugo, o espanhol Federico Garcia
Lorca e o russo Vladimir Maiakovski, levando-se em conta, claro, as devidas
larguras, profundidades e extensões de cada um. Conheci o trabalho de Medeiros
Braga por acaso, numa feira de artesanato há uns dez anos. Acho que foi
inspirado no velho cordelista combatente que compus o folheto Biu de Pacatuba
- Um herói do nosso tempo, contando a
história de Biu de Pacatuba, “herói popular, agricultor que briga com os
poderosos donos de latifúndios na região de Sapé-PB; seu trabalho ombro a ombro
com o também herói João Pedro Teixeira, seu companheiro de lutas, e o papel que
representou na conscientização daquela população submetida a tantos anos
seguidos de exploração”, conforme escreveu Clotilde Tavares.
Alguns podem dizer que os conceitos políticos de Medeiros Braga
estão defasados, a linguagem e o ritmo dos seus versos estão ultrapassados. Até
as agruras das massas exploradas são outras. Os vilões mudaram de roupa, estão
irreconhecíveis nos seus modernos trajes cibernéticos neoliberais em novas
fronteiras onde a terra pode até ser redonda, mas o mercado continua soberano,
com seus valores culturais conservadores. O tempo passou e os poetas do
igualitarismo se tornaram démodé. Medeiros Braga não é poeta
da moda, nem ao menos se diz de esquerda. Ferreira Gullar, esse poeta monstro:
“Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo
mundo é”. Medeiros não pede ato público de admiração e respeito. Eu peço por
ele. Em nome da decência e do bom cordel brasileiro ativista.
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Raiz
10 MINUTOS NO CONFESSIONÁRIO –
138
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