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POEMA DO DOMINGO

 

Ao modo de Chico Buarque

(Reciclando ideia alheia)

 

Para curtir sua bolha

vá de W.J. Solha.

Pra sair do labirinto,

tem Sérgio de Castro Pinto.

Para manter o afeto,

João Cabral de Melo Neto.

Para esclarecer os fatos,

veja bem Zezita Matos.

Para evitar sururu,

escute Manoel Xudu.

Querendo encontrar idílio,

leia Astier Basílio.

Se Felis Catus miar,

André Ricardo Aguiar.

Se o cordel é quem lhe diz,

leia Francisco Diniz.

Se a libido lhe seduz,

engula Vavá da Luz.

Teatro é sua bandeira?

Vá de Tarciso Pereira.

Choro e forró lhe cutuca?

Então consuma Sivuca.

Le gusta o coco brejeiro?

Vá de Jackson do Pandeiro.

Poesia de primeira?

Determine Lau Siqueira.

Gravura, rogai por nós

com Josafá de Orós.

 


sábado, 29 de janeiro de 2022

 

Cordelista lança folheto em homenagem a Sander Lee

 

O cordelista Fábio Mozart lançou seu primeiro folheto em 2022, com o título de “História de Sander Lee, o japonês do agreste”, distinguindo um dos fundadores da Academia de Cordel do Vale do Paraíba, poeta e declamador Sander Lee. “A obra nasceu da necessidade de registrar meu apreço pelos amigos que comigo constituíram esta instituição, congregando cordelistas paraibanos, que completa sete anos de atuação plena, atualmente sob a presidência de Marconi Araújo”, disse Mozart.

O lançamento presencial do folheto ainda não tem data, dependendo das condições sanitárias. “Penso em realizar uma sessão de autógrafos com o homenageado e aproveitar para fazer entrega de diploma de honra ao mérito cultural para nosso colaborador, o art designe Sérgio Ricardo Santos, autor de inúmeras capas de folhetos de nossos confrades e nossas confreiras”, adiantou ele.

Com xilogravura assinada por Leonardo de Farias Leal (Mané Gostoso Neto), o folheto faz referências às ações de Sander Lee nas artes e no movimento sindical camponês, com suas experiências no teatro e na poesia, abraçando a herança cultural de sua terra.

E-mail para solicitação do folheto impresso: mozartpe@gmail.com

 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Recordações da Rua das Flores e adjacências

          


         O jovem professor itabaianense Flaviano Batista cultiva o excelente hábito de estudar e registrar a história de sua comunidade, buscando dar luz a fatos e pessoas escondidos no escuro de alguma gaveta ou cérebro bolorento. Sente a urgência de salvar informações extraídas das mentes de velhos como eu, ameaçados pelo Alzheimer ou apagamentos naturais de memória, após muitos janeiros desgastantes, prestes a “queimar o fusível”. Agora ele estuda um dos redutos da boemia da velha Itabaiana, nas confluências da Rua 13 de Maio e Rua das Flores, famosas pelos seus lupanares e endereços de tipos afamados. Na certidão lavrada no cartório do prazer, consta que o eterno Valdo Enxuto entrou na pensão da “madrinha” Nevinha Rica em 1958 e só saiu quando casou, na década de 1960. Valdo foi o primeiro entrevistado para a dissertação do professor. São entrevistas semiestruturadas, conforme adiantou o historiador. O que vem a ser uma conversa semiestruturada? Ele explica que a entrevista semiestruturada é um roteiro de perguntas previamente estabelecidas, mas que admite esticar o assunto, conforme a disposição e a riqueza das reminiscências do interrogado. Considerando que Valdo Enxuto é daquela espécie que, quando rola uma conexão boa e pessoa interessada em ouvir, o papo se estende sem prazo pra acabar, a entrevista com o professor deve perdurar por dois dias e duas noites, no mínimo.

No meu caso, sobre os distantes eventos da Rua do Carretel, como é conhecida, sei de algumas histórias dos velhos cabarés, essa necessidade de todos os tempos. Quando criança, vivi na casa de minha vó Joaninha, na Rua Santa Cecília, onde um riacho delimita com a Rua das Flores. No final da rua pontificava o bar Recreio das Mariposas, uma espécie de central das raparigas, com sua corneta de som tocando Valdick Soriano e outras sofrências da zona do meretrício. Nas noites de segunda-feira, véspera da grande feira de gado de Itabaiana, armava-se o famoso pastoril de Chico do Doce. Depois, entravam em cena o babau do mestre Chico e os ensaios da tribo “Assombrados da floresta”, do mestre Josa dos Índios e o boi de Especiá para o carnaval. As noites terminavam com o coco de roda do mestre Zé Quarenta e Um. Para uma criança, os espetáculos da cultura popular que se apresentavam nas ruas das Flores e na 13 de Maio foram essenciais para acender e manter até hoje a chama da brasilidade e sua diversidade cultural.

No tocante ao “cai pedaço”, como diria um famoso e mal-educado capitão, as tradições orais registram que o velho Mozart e seu grupo de amigos realmente frequentaram e interagiram com as casas de tolerância, que não eram tão tolerantes assim, principalmente com quem se esquecia de pagar o michê. O meu livro “A voz de Itabaiana e outras vozes” destaca detalhes da vida noturna em ambientes como o cabaré do Topada, a pensão de Julieta, o bar de Zé Buchada onde Nelson Gonçalves tocou uma noite inteira nos anos sessenta, o forró de Luiz da Gata, a gafieira de Nevinha Pobre, o importante e esnobe bar de Nevinha Rica, reduto da elite itabaianense, e outros lupanares já extintos, como apagados foram da memória da cidade os prédios históricos dos velhos puteiros. A própria atividade das profissionais da luxúria ainda existe, mas transformada. Consta que a famosa Madame Satã, quando ainda não era célebre, começou sua carreira de cozinheira e transformista nos bordéis de Itabaiana. A 13 de Maio ficava entupida de gente nas noites de segunda-feira. Resultado: Itabaiana foi o centro irradiador da maior onda de sífilis e gonorreia já registrada na região.

Para os de minha geração, cabaré nunca foi lugar somente de libidinagem. Pergunte a Valdo Enxuto, e ele dirá que o prostíbulo foi sua maior escola de vida, uma instituição social. Os cordelistas da Academia de Cordel do Vale do Paraíba elaboraram um projeto para tombamento da Rua Treze de Maio, a famosa Rua do Carretel, onde funcionou o maior puteiro do Nordeste, nos anos 50/60/70. O grupo chegou a escrever um cordel coletivo para a campanha com o mote:

Se essa rua fosse minha

Eu mandava preservar

 

EM TEMPO: O professor Washington Gomes retificou informações desta crônica: “Após sua apresentação no Cine Ideal, Nelson Rodrigues foi levado por Durezinho para o bar de Zé Bodega, e não Zé Buchada, onde teve sua mais longa apresentação artística, amanhecendo o dia tocando no violão do proprietário do bar”.

  

 

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Professora Nini, cinquenta anos à frente do seu tempo

Por Joacir Avelino*

 

Quando cursava o primeiro ano ginasial, hoje quinta série do ensino fundamental, no Colégio Estadual de Itabaiana-PB, deparei-me com a disciplina Geografia. Até então, acreditava que bastaria decorar nomes de rios, países e regiões para passar de ano. Achava a matéria sem graça. Isso na década de setenta.

No primeiro dia de aula, eis que surge uma jovem, bonita, olhos azuis e elegante. Apresenta-se para os alunos: meu nome é Severina Paes de Araújo, mas podem me chamar de ‘Nini’. Nasci em Goiana-PE, mas me considero itabaianense de coração.  Sem muitos rodeios, antecipou-se ao pensamento dos pupilos: sei muito bem que vocês consideram essa matéria chata, desinteressante e desnecessária, mas vamos tentar desmistificar esse mito.  Pergunta à plateia: vocês sabem de onde vieram e onde estão? Toda turma calada. Então, a mestre continuou sua peroração. Vamos falar um pouco sobre onde estamos. Itabaiana, banhada pelo Rio Paraíba. Instigava a plateia: sabem onde ele nasce? Sabem quais são seus afluentes?  Silêncio. Vamos lá.  O belo rio nasce na Serra de Jabitacá, município de Monteiro-PB. Possui como afluentes importantes o rio Taperoá (antes de formar o açude Boqueirão), rio paraibinha (hoje forma a represa de Acauã) e o rio Gurinhém. Isso tudo era exibido com o mapa físico na sala de aula.

Naquela época, a mestre já vaticinava: se não forem adotadas providências governamentais necessárias, o rio Paraíba poderá se tornar um riacho ou então desaparecer. Ela estava certa. O assoreamento do rio hodiernamente é uma realidade. O leito do rio desapareceu, houve um processo de acúmulo de detritos, a erosão é visível em decorrência do desmatamento, numa criminosa retirada da cobertura vegetal em suas margens. Ali só encontramos lixo de toda espécie, esgoto a céu aberto, areia e terra.  O curso da água deixou de existir. A escassez ou ausência d´água nas residências só não ocorre devido à construção, em 2002, da represa de Acauã, situada no município de Itatuba, possibilitando o abastecimento de Salgado de São Félix, Itabaiana, São José dos Ramos, Mogeiro, Pilar, Ingá, Juripiranga e Juarez Távora.  Mostrava ali a importância de preservação da natureza para a sociedade.

D. Nini, fazia questão de ressaltar sobre a falta de recursos técnicos e financeiros para o ensino de Geografia, porque segundo ela, necessário se fazia o deslocamento dos alunos para uma pesquisa de campo em relação aos pontos ali levantados.  Somente assim seriam concretizadas vivências com os lugares de forma a fazer com que os alunos pudessem compreender e construir novos e complexos conhecimentos sobre o homem e o seu habitat.

A aula já se encaminhava para o seu final, quando um aluno interrompe: professora, hoje tem jogo do Brasil contra a Tchecoslováquia, na abertura da Copa de 70. Todos riram da intervenção do ginasiano, menos D. Nini. Ela continuou sua aula inaugural. Lançou mão de um mapa-múndi. Passou a falar sobre o México. Convidou todos a fazerem uma viagem até Guadalajara, onde a seleção brasileira de futebol estava concentrada. Capital do estado de Jalisco, situada a oeste daquele país, localizado na América do Norte (primo pobre), limítrofe com os Estados Unidos da América. Outro aluno não se conteve: professora, já que a senhora tá falando do México, que tal contar algo sobre o Zorro e o Sargento Garcia, na cidade de Monterrey.  Ela respondeu: o tempo já acabou, fica para a próxima aula.

Não poderia deixar de falar um pouco da altivez dessa professora, enquanto ser humano. Num tempo em que as mulheres identificadas como sendo lésbicas, sofriam de estigma social, exclusão e preconceito em casa, na escola, no trabalho e na sociedade como um todo, chegando até a serem tachadas de doentes, embora tenha havido pequenos avanços nos dias atuais, D. Nini, contrariou a todos. Desde a década de 50, a contragosto dos pais, passou a viver um relacionamento homoafetivo estável com a sua companheira Ozanete Lucena. Ambas se respeitavam e se faziam respeitar. Era comum vê-las de mãos dadas nos finais de semana pelas ruas da provinciana Itabaiana. Ninguém ousava admoestá-las. Elas quebraram muros e construíram pontes. Afastaram o preconceito, sem medo de serem felizes.  A mestre deixou um legado no sentido de identificar, refletir e assumir compromissos sobre diferentes aspectos da realidade em um mundo permeado de cancelamentos. De formação católica, nunca deixou de lecionar em escolas públicas e particulares, com destaque para os colégios religiosos, onde era recebida com muito respeito, não só como excelente professora, mas também como uma pessoa que soube amar e dar amor com total transparência.

*Joacir Avelino, policial federal aposentado, advogado e escritor.

 

 

Por um ano novo mais felino

 


Louis Wain foi um pintor inglês famoso por suas pinturas de gatos com aspecto de humanos. O artista foi diagnosticado como sendo portador de uma doença psíquica, que poderia ser vista na progressão de seu ofício artístico. Aos poucos, as imagens dos bichanos foram repuxando para configurações intangíveis, talvez elaboradas sob efeito de alucinógenos.

Cada um com sua concepção felina. Aqui em casa, a gata Natalina foi obrigada a obedecer ao comando para rolar no chão feito cachorrinho, se quiser comer. Aprendeu rápido, porque a fome é boa mestra. A gatinha se tornou artista de circo caseiro. O animal também dá a patinha e bate à porta toda manhã, acordando sua domadora.

Não sou supra afeiçoado aos gatos, mas percebo que esses bichos são os animais preferidos da galera chegada à literatura. Meu conterrâneo André Ricardo Aguiar, poeta e contista itabaianense, é um dos que curtem os bichanos. No seu “Livro da existência enquanto gato”, André poetificou assim sua relação com os felinos caseiros: “O gato é um peixe dentro d’água. É a ideia sinuosa que eu tenho ao vê-lo mergulhado em sombra no apartamento, incompatível, como se eu o tivesse resgatado de um antiquário. Um gato turvo cumprindo o turno de fantasma. É um assombro que o dia não se dê conta de que já é noite. E gato”. O escritor americano William Burroughs, neto do cara que inventou a máquina de somar, deu testemunho mais, digamos, insondável a respeito desses viventes carnívoros: “Meu relacionamento com meus gatos salvou-me de uma ignorância mortal, absoluta". Outro escritor brasileiro, Luiz Ruffato, pertence à confraria dos entusiastas dos miaus. Segundo Ruffato, os escritores se identificam com os gatos porque, como eles, esses felinos são introspectivos e amigos do silêncio.

A gata Natalina me parece, às vezes, realmente concentrada e meditativa. Sei que é uma ideia inverossímil, mas, quem sabe, ela não estaria evocando sua herança genética e memorando os tempos em que os gatos eram adorados no Egito antigo? Os gatos no Egito eram tão especiais que aqueles que os matavam, mesmo por acidente, eram condenados à morte. Matar gato preto, então, era enforcamento certo e mais sete anos de azar. Errata: foi na Idade Média que se criou a superstição dos gatos pretos. Acreditava-se que eram bruxas transformadas em felinos negros, por isso a crendice de viés racista que ainda hoje rola nas sextas-feiras 13 e em outros ambientes preconceituosos. Tenho um gato preto chamado Cirilo. Todo momento em que cruzo com Cirilo e sua indiferença à minha figura, recebo uma lição: viva e deixe viver, não tome satisfação com ninguém. O desdém dos gatos para com os humanos é confundido com menosprezo e insensibilidade. Aquele distanciamento, no fundo, tem a ver com desapego, isenção e neutralidade. Gato jamais será puxa-saco do humano que o alimenta. Pode até ser obrigado a rolar, imitando o cão subserviente, mas é pura estratégia de sobrevivência. Talvez o gato ame, mas sem paixão. Ferreira Gullar não concorda com a conceituação sobre o desamor dos gatos por seus donos. “...ele é apenas mais sutil”.

De qualquer forma, a gata Natalina descende de um antigo gato egípcio, da raça Mau. Esses bichanos foram domesticados pela galera dos faraós, personificados na deusa Bastet, divindade da família, fertilidade e amor. Por isso eram considerados animais reverenciados e sagrados. Daí, talvez, o começo da arrogância e distanciamento dos gatos em relação ao ser humano. Somos servos da deusa Bastet. Cativos desses bichinhos extraordinários e, talvez, imortais. Gatos de fato têm sete vidas, ou mais. Pelo menos para Lígia Fagundes Telles, criadora do gato Rahul, personagem que reflete sobre o proceder das pessoas e as recordações de quando viveu outras existências. Gatos são eternos, como a própria civilização egípcia. Há milhões de anos, um gato selvagem se fez, depois virou gato caseiro, transformou-se em divindade, meteu-se na marginalidade como gato urbano de beco e agora me observa com seu olho verde e independente, a lembrar que a vida deve ter algum sentido, entretanto, nem o mais iluminado dos mortais deveria se incomodar com essas bobagens filosóficas. Neste 2022, faça como o seu gato: não procure despertar sua luz interior nem dê bola para os questionamentos filosóficos. Nem ligue. Apenas evolua naturalmente até virar um gato Manda Chuva, ou o Frajola, Gato Félix, Gato de Botas, quem sabe...