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sexta-feira, 3 de abril de 2020

O que estou lendo no isolamento




Minh`alma de sonhar-te anda perdida,
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda minha vida!

Hoje, sexta-feira, era dia de tomar um porre, dançar, transar, enfim, sextar, conforme o neologismo da moda. Era. Atualmente, o brasileiro vive o pânico desse vírus, preso em casa, com o país sendo comandado por um lunático. “É como uma puta vivendo sob a falsa proteção de um gigolô”, mal comparou um amigo meu. Este poema todo mundo conhece na voz de Fagner quando o cearense trabalhava um repertório mais rico. “Estamos em um momento tão tenso que as pessoas querem músicas para dançar mesmo, para esquecer”, justifica Fagner.

Eu prefiro ler a poesia de Florbela Espanca, a portuguesa autora dos versos musicados por Fagner. Florbela nasceu na zona rural de Alentejo, autodidata, feminista, morreu em 1930 e começou a fazer versos com oito anos. Sua poesia mexeu com a sociedade hipócrita e convencional do seu tempo. A poeta foi tão revolucionária que mudou o próprio nome. Nascida Flor Bela Lobo, autonomeou-se Florbela D`Alma da Conceição Espanca.

Florbela deixou um diário. Nele escreveu coisas assim: “Eu não sou boa nem quero sê-lo, contentando-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar um. Sou pagã e anarquista, como não poderia deixar de ser uma pantera que se preze”. Casou-se três vezes. Como libertária, defendia a liberdade sexual “sem a qual o gênero humano não se realiza”.

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

(Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa»)

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