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domingo, 1 de dezembro de 2019

Berna Palhano, um perfil


Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico de literatura e professor da Universidade Federal da Paraíba. No Correio das Artes, edição de novembro de 2019, ele escreveu: “Em abril deste ano, uma amiga. Queridíssima. Uma irmã. Que João Pessoa amalgamou ao meu peito paraibano. Há vinte e oito anos amalgamou. De repente um câncer surgiu no músculo do braço direito. Câncer muscular? Câncer bobo, decretei. Errei. Cinco meses depois. Morta. Grande golpe da solidão. O olhar vívido. A risada franca e maravilhosamente estrepitosa. A irreverência dos modos tropicalistas. O feminismo despojado. A convivência fraterna com deus e o diabo na terra do sol e do frio. Na rua e na universidade. Desafiando a sisudez dos caretas. Tua alegria de viver e reinventar a alegria fica conosco Berna, Bernadete, Bernadete Palhano”.

Arremedando o estilo pessoal do Amador e suas frases curtas, peço desculpas ao mestre pela paródia. É que somos irmãos. Eu, Berna e Amador. O poeta, por se considerar afetivamente fraterno. Eu, por ter conhecido Berna quando ela começava a se envolver com a vida. Aos treze anos. Cidade: Itabaiana. Fomos vizinhos e comparsas. Desde cedo. A família Palhano: Berna, Romualdo, Roberto, Tânia, Ecilio, Palmira. Jogávamos brincadeiras de fingimento. Teatro amador. Meu primeiro texto. A primeira vez da família Palhano no palco. A mãe, dona Hilda, figurinista e costureira. O pai, Manoel, eletricista e animador de plateia. Berna era Bebé, e assim ficou. Para a nossa família teatral, é Bebé. Amador Ribeiro fala da convivência afetiva de Bebé com deus e o diabo. Na peça ela fazia um diabinho inocente de cordel. Os demais completavam o staff diabólico. Ecilio, o Diabo Chefe. Beto Palhano, o subsecretário do Diabo. Romualdo, terceiro-sargento da Polícia Militar Infernal. Tânia, oficial de gabinete do Canhoto. Eu, Lampião imaculado e simplório.

Bebé deixou o teatro diletante e foi cuidar da vida acadêmica. Palmira virou atriz consagrada. Romualdo converteu-se em pós-doutor teatral e escritor. Hoje, baixa o pano e Bebé desaparece por trás das coxias. Diz um companheiro: teus amigos não são os que hoje te cercam. No galope da vida, camaradas vão e vêm. Os das primeiras rotas e viagens permanecem. Mesmo que no subconsciente. Com sua carga comovedora. Às vezes, chocante. Impacta saber, de repente, que uma colega primordial dorme. Com suas asas quietas. Para sempre. Asas de elaborar vivências. A amiga comum chorou. Lamento de amizade encarnada, dessas que ficam.

O homem é um ser processional. Vivemos e morremos acompanhando nossos anjos. E demônios. Nossas sombras. Uma vela sempre pronta. Para vigiar e esconder nossas angústias de estar no mundo. Ruímos. Perdemos o rumo da procissão dos aflitos. Quando a noite desmesurável desaba sobre alguém nosso. Glória aos que creem. Os que dizem perceber a geografia do além e se ajoelham. Ao Senhor Ente Infinito. Aos infiéis, o medo bruto. O horror supremo do aniquilamento.

Aqui deixo minha saudação a Bebé, conforme enunciava Agostinho de Aguiar e Silva, meu compadre preto velho: “Vai na fé, irmã das almas!”. Citando o poeta Jorge de Lima. Para uma amiga morta: “Agora Lis descansa onde? Em que mansão descansas, Lis? Pensas que Lis morreu talvez. Lis não foi para nenhuma gente maldita ou plaga obscura, onde não haja poesia. Livre de sombras e de brumas, Lis ressurgiu sempre mais pura, como as estrelas alvadias. Lis foi enterrada viva, num recanto de céu entre as estrelas”.

EM TEMPO: No dia 27 de novembro, a Escola Sesquicentenário, localizada na Rua Minas Gerais, Bairro dos Estados, em João Pessoa, inaugurou a Biblioteca Bernadete Rodrigues Palhano em homenagem à professora falecida que ali prestou serviços durante décadas.

(Publicado no jornal A UNIÃO, edição de 01/12/2019, coluna "Toca do Leão", caderno Diversidade)

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