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sábado, 24 de agosto de 2019

POEMA DO DOMINGO



Bucólica imagem:
o burro e a vaca
mastigando a paisagem.

***

O ar azul
solidão verde
silêncio de todas as cores

***

Morto o carteiro
a cova tranca
só o coveiro
tem carta branca.

***

Preciso e conceitual
o jogador passa bem
e passa mal.

***

Células em espirais
a grande firma do câncer
é cheia de sucursais.

***

Viandante transvertido
com ilusão da chegada
sem jamais ter partido

domingo, 11 de agosto de 2019

POEMA DO DOMINGO

Gerimaldo Nunes


Homenagem poética de Dalmo Oliveira a um poeta anarquista morto (Gerimaldo Nunes)


Se um dia houvesse a revolução
General seria o grande Geri
Com alegria lutando nas trincheiras
Festejando de Guarabira a Mari
Flor de cânhamo sendo nossa bandeira
Promovendo a cura a quem se ferir.

Se um dia houvesse a revolução
Guerreando contra a fome medonha
Gerimaldo seria o capitão,
Nossa tropa não ia passar vergonha
O Pajé curava toda ferida
Com rapé e meisinha de maconha.

Se um dia houvesse a revolução
Apostava toda fé nesse “cubano”
Com amor derrubava toda cerca
Na peleja pra libertar o humano
No lugar de canhão, de bala, beijos
Pois o amor seria o nosso plano.

Se um dia houvesse a revolução
O clarim só tocava Melodia,
Djavan, Beto Guedes, Bob Marley
Tinha festa de noite e de dia
MacFerry, Pedro Osmar, Mercedes Sosa,
A paixão desse som não se media.

Se um dia houvesse a revolução
Eu seria o inimigo do Rei
E amigo de toda rapariga
Liberdade seria nossa lei
Até este poema eu faria
Trabalhando em arte que não sei.

Se um dia houvesse a revolução
Na nação da Parahyba do Norte
O pivô era o Geri da Mangueira
Ingerindo a sua água-forte
A garrafa sendo o pau da bandeira
Alegria seria o passaporte.

Se um dia houvesse a revolução
Que beleza seria esse confronto
Na refrega de festa e algazarra
Combatente ia dormir no ponto
Capitão e Major, tudo arriado,
Comando alto e o soldado tonto.

Se um dia houvesse a revolução
Meu compadre Geri era o primeiro
A subir para Alagoa Grande
Levantando quilombo e terreiro
Gerimaldo, um bicho destemido
Dando vivas ao General festeiro.

Se um dia houvesse a revolução
O Durruti seria inspiração
Anarquista do povo espanhol
Inimigo de país, cerca e nação
Mas o nosso levante era maneiro
Era “paz e amor”, crueza não!

Se um dia houvesse a revolução
Eu saía do Geisel abaixadinho
Me encontrava com Pedrão em Jaguaribe
Pra beber meu licor com arrumadinho
E depois seguiria para a guerra
Celebrar o amor com peixe e vinho.

Se um dia houvesse a revolução
Eu seria comandante das meninas
Debandava pras bandas da Borborema
Fazer festa com a tropa nas Boninas
Beber pinga na feira em Campina Grande
Comprar couro, furar couro das Felinas.

Se um dia houvesse a revolução
Todo dia decretava feriado
A lei era trabalhar só por prazer
Patronato seria cancelado
“Mais valia” não ficava mais valendo
O peão seria o deputado.

Se um dia houvesse a revolução
Wilhelm Reich seria o Ministro
Gerimaldo plenipotenciário
Bar em bar para fazer o registro
Acabava com o Supremo Funeral
Extinguia todo decreto sinistro.

 Se um dia houvesse a revolução
O regime seria anarquista
Bakunin era o guru da galera
Combatendo o ideal fascista
Proclamava: toda rádio é pirata
Excluindo a TV Globo golpista.

Se um dia houvesse a revolução
O jornal oficial era o cordel
Toda lei descabida revogada
Mais recursos para o bar e o bordel
Decretava carnaval o ano inteiro
Não havia mais portão lá no “Pinel”.

Se um dia houvesse a revolução
E o Nordeste ficasse independente
Nossa Força Armada o trovador
Gerimaldo seria o tenente
A cartilha seria a poesia
Lei maior a nossa arte candente.

Dalmo Oliveira



Alunos do Curso de audiovisual do Senac/SP produzem documentário sobre peça teatral de Fábio Mozart

Fábio Mozart e Manuel Batista atuaram na peça "Mari, Araçá e outras árvores do Paraíso"

Alunos do curso de audiovisual do Senac de São Paulo estão em Mari produzindo um documentário sobre o artista mariense Fernando Sanfoneiro, já falecido, a partir de depoimentos de uma filha dele que mora em São Paulo. Os autores do roteiro tiveram como base, entre outros fatos, a montagem da peça “Mari, Araçá e outras árvores do Paraíso”, texto e direção de Fábio Mozart, que foi produzida nos anos 80 naquela cidade pelo Coletivo Dramático de Mari,  onde atuaram Manuel Batista, Severino Batista, Ricardo Alves, Ozaneide Vicente, Manoel Pedro, Severino do Gás, Marsílvio, Maria Alves, Luciano Joaquim e Chico Tadeu. 
O pessoal técnico e alunos do curso de audiovisual do Senac trabalham em Mari até setembro, com apoio da Prefeitura local. O curso trata das diferentes formas de se fazer um documentário, em suas diferentes vertentes, linguagens e etapas de produção (pesquisa, roteiro, produção, captação de imagens e edição).
A peça transformou-se em cordel escrito pelo próprio Fábio Mozart, obra que está inserida na grade curricular da rede de ensino municipal de Mari, por força de lei aprovada na Câmara de Vereadores, projeto do vereador Gugu Xavier.
Para o produtor cultural Manuel Batista, de Mari, o espetáculo fez história na vida cultural do município quando foi montando em 1989. “Mari, Araçá e outras árvores do paraíso” é a versão teatral da história do Município, encenada pelo Coletivo Dramático de Mari, grupo do qual fiz parte com muita honra. Com o fervor próprio dos verdadeiros criadores, Fábio Mozart soube aliar carpintaria teatral com os mais significativos fatos históricos marienses, registrando os modos de vida, a religiosidade e o cotidiano de nossa terra”, acrescentou.


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Peleja de Fernando Pessoa com o padre cordelista



O acontecido se deu em 1934, ano em que o governo português criou o prêmio literário “Antero de Quental”. Esse Quental foi poeta e filósofo, gostava de escrevinhar uns sonetos um tanto revolucionários. Era contrário às “literaturas oficiais”. Como morreu em 1891 e se tornou imortal das letras lusitanas, o Governo criou esse prêmio quarenta e três anos após sua morte.

Fernando Pessoa participou do concurso com o livro “Mensagem”. Perdeu para um livro intitulado “Romaria”, de um tal Vasco Reis, pseudônimo do padre Armando Reis Ventura. O crítico literário Gaspar Simões esculachou o livrinho do vigário. Para ele, “Romaria” não passava de “obra para gentinha simples e sem cultura”. O dicionário Literatura Portuguesa Moderna, do professor Massaud Moisés, assim explicou o livro do padre Vasco: “De cunho descritivo, cronístico e eminentemente popular, se expressa em toadas populares semelhantes às composições repentistas da literatura oral”. O que é isso senão a descrição de um folheto de cordel? Muitas décadas depois, nossos poetas nordestinos escreveram centenas de cordéis para Fernando Pessoa e seus heterônimos. Exemplo é o poeta Gustavo Dourado, baiano, professor de Português, Literatura, Linguística, Redação, Religião, Agricultura e Folclore Brasileiro. O que gosta mesmo de fazer é poesia de cordel. Escreveu um cordel sobre Fernando Pessoa. Em 2008, Gustavo Dourado lançou o ABC de Vladimir Carvalho, meu conterrâneo de Itabaiana e o cão chupando manga na arte cinematográfica. Outra amostra é o pernambucano Adelmo Vasconcelos e seu folheto “Fernando Pessoa, o multiplicador de eus”.

Muitos estudiosos garantem que o cordel brasileiro veio de Portugal. Outros discordam. Se de lá veio, já aportou na terra brasilis sofrendo com a hostilidade e implicância da chamada cultura de elite. Tanto lá como aqui, o cordel sobreviveu, apesar da rejeição dos iluminados e pedantes literatos. Tanto que atualmente Portugal realiza todo ano o Festcordel, um rico festival dedicado à literatura de cordel.

No Brasil, a produção é grande. Além de dicionário, dossiês, pesquisas, concursos e várias antologias, algumas academias como a Academia de Cordel do Vale do Paraíba, na Paraíba, não dão trela à história da origem desse gênero literário. Não temos raiz nobre, mas não queremos nos manter na marginalidade. A discriminação alega que folheto é “literatura de cego”, livreto de matuto analfabeto e rústico. No entanto, esses conceitos de literatura “popular” e “erudita” estão sempre se chocando nos debates acadêmicos. Prefiro acreditar que o cordel é uma poesia narrativa que pode ser boa ou ruim, dependendo de quem escreve. Porque foi produzida e divulgada pelas camadas mais simples da população nordestina do interior, nas suas origens brasileiras, a galera que detesta arraia-miúda vê no cordel uma literatura menor. É como diz o severo e debochado Maciel Caju: “

Esqueça a dicotomia
Popular e erudita
Interessa é o que fazer
Da sua obra escrita
Pode ser conservador
Até escritor xiita
Ou limpa o rabo com ela
Ou será cosmopolita.


terça-feira, 6 de agosto de 2019

Os últimos dias de Chico Veneno

Chico com Tereza, sua esposa da Holanda 


– Você é o Solha, não?
– Aham.
– Uma breve conversa em particular, é possível?
Nunca fui muito de praia, mas estava ali, com a família, acho que no Bessa. A época, ainda a da ditadura. Ouvi o que aquele homem de voz baixa me disse quase que telegraficamente:
– Sou conhecido como Chico Veneno. Participei da luta armada, fui ferido na Serra de Caparaó, casei-me com uma enfermeira holandesa, tivemos um filho, a situação ficou muito difícil … e ela se foi pra Europa. Estou precisando muito de um emprego pra poder trazer os dois de volta. Aproximei-me de você porque soube que é amigo do arcebispo da Paraíba, pelo que queria… que me levasse até ele, pra ver se ele me dá uma mão.
– Bom, Chico: não tenho lá essas intimidades todas com Dom José Maria Pires, sequer sou católico, nem ao menos cristão. Apenas fiz o texto de uma cantata,- Eu sei, de Alagamar.- É, e – bem: Dom José recebe todo mundo sem essas e aquelas – como fez comigo várias vezes.
No dia seguinte sentamo-nos, os três, no pequeno terraço da velha casa paroquial, que ficava entre a matriz e a Igreja de São Francisco. Dom José me ouviu e ao desesperado Chico, que lhe disse:
– Consegui um único emprego depois de muito tempo, mas como sou fichado, procuraram o pessoal que me empregava e fui demitido. Não sei mais o que fazer, é uma situação insuportável.
Dom José, pausadamente:- Olha, Chico: alguém com seu currículo só tem uma saída: trabalhar por conta própria.
– Mas trabalhar em quê, eu não sei fazer nada, Dom José! Minha vida sempre foi essa luta: entrei menino pras Ligas Camponesas, depois veio 64 e tudo mais… Por isso queria que o senhor me arrumasse qualquer coisa, qual-quer coisa! Trabalhar na horta, servir cafezinho, varrer chão, qual-quer coisa.
A frase de Dom José doeu:- Infelizmente não posso ajudá-lo.
Saímos, ficamos os dois na calçada por um tempo:- Sinto muito, Chico.
Dois ou três dias depois, dei com a foto dele na primeira página d“O Norte”: matara-se com um tiro na cabeça.

W. J. Solha
Escritor, ator e artista plástico



Casarão dos Azulejos abre exposição de Otto Cavalcanti no final de agosto


Gravuras do artista plástico Otto Cavalcanti serão expostas no Casarão dos Azulejos, onde hoje funciona a sede do Programa de Inclusão Através da Música e das Artes – Prima, do Governo do Estado. A exposição tem a curadoria da Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz, de Itabaiana, estando aberta ao público de 26 de agosto a 26 de setembro.  
Otto Cavalcanti, falecido recentemente em Barcelona, Espanha, nasceu em 1930 em Itabaiana (PB). Desde os anos 60, circulou entre Londres, Paris e Madrid, expondo suas obras na maioria dos museus e instituições da Europa. Sua obra é um mergulho no vasto universo pessoal do artista, um mundo que reflete as personagens e vivências brasileiras, ecos de sua adolescência na então próspera Itabaiana nos anos 1940.
A Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz recebeu quadros exclusivos do próprio artista e vem realizando exposições em João Pessoa e Itabaiana. A última exposição foi realizada em maio de 2018 na Prefeitura itabaianense, com apoio do prefeito Lúcio Flávio.