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terça-feira, 13 de novembro de 2018

A palavra pode ser um buraco invisível na cerca


Em 2017, fui contemplado com o título de Embaixador da Palavra através da Fundación César Egido Serrano, de Barcelona, pela atuação na campanha do Dia Internacional da Palavra, representando a Academia de Cordel do Vale do Paraíba. Fiquei com o encargo de “difundir a palavra como vínculo que a humanidade tem na luta pela paz entre os povos, envolvendo a palavra como verdade, a palavra vida, a palavra e o silêncio, a palavra contra a guerra, a palavra contra o fascismo e pela paz”. Em 2018, o Brasil escolheu um projeto político que preconiza o controle sobre a palavra. É esse tipo de coisa que a gente chama “coisas da vida”.

Na qualidade de grande literato, versado em Almanaque Bristol, meu compadre Ameba me indicou um livro intitulado “Fup”, do escritor americano Jim Dodge, uma novelinha simpática , bem humorada e sensível. Na história, um fazendeiro dedica sua vida a construir cercas, reconstruindo porteiras, defendendo suas poucas vacas dos porcos selvagens. Por mais dedicado que fosse o fazendeiro na construção de fortes cercas, os porcos acabavam por meter o focinho e entrar na propriedade. Vejo a palavra como esses porcos, sempre achando um ponto frágil nas cercas para acabar apontando os defeitos mecânicos e morais do próximo, ou as falhas com perdas e danos da vigarice humana. Ou ainda arregimentando os sentimentais, os sensíveis, para os encantos da poesia que não deixa de ser revolucionária.
Faço uma pausa botânica, lírica e revolucionária: “os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera”, do poeta Che Guevara.

Neste final de 2018, nesses cada vez mais tristes trópicos, algumas reflexões me ocorrem sobre a palavra que encontra sempre um buraco invisível na cerca da incomplacência. Debaixo da opressão, do preconceito e violência, existe sempre um promotor oculto de nossas emoções e contendas contra o obscurantismo. É a palavra, mesmo aquela que não é pronunciada nem escrita. Talvez escreva um cordel com uns caras meio pirados, cujo título seria: “A palavra não tem para onde ir e vai ser puta no poema processo”. É que a palavra sempre se presta a ser também nossa sirigaita. A gente adora fazer gato e sapato dela. Umas a gente só chama por educação. A palavra diarreia, por exemplo, junto com furúnculo ficam mal na fita até em poema de Augusto dos Anjos. Outras têm conflito com o diálogo e se quedam presas nas entrelinhas.

Discurso esquisito
a palavra ausente
para o não dito

Sem mais chatice beletrística, neste final de ano quero escrever algumas cartas datilografadas e enviar pelo correio para algumas pessoas com estatura e significado na minha vida suficientes para ser honradas com essa desvelada prenda. Em 1928, Walter Benjamim advertia: “a máquina de escrever afastará da caneta a mão dos literatos”.  Deu-se que o computador sepultou a máquina de escrever. Uma carta datilografada é prova de muita consideração e afeto. Corresponde aos antigos manuscritos. É a palavra fraterna embalada em papel benquerança.

Mas tergiverso. Inconsciente ou não, o Brasil vai de marcha batida em direção ao capitalismo total. De quebra, querem enterrar a palavra segundo o ritual medievo. Por artes do fute, os velhos conservadorismos culturais sempre são desacatados por autores malditos armados de faca peixeira ou punhal sentencioso. Elocuções terroristas sempre hão de pintar na zona do agrião, porque a palavra vive de arenga. Ela nem sempre é um bêbado maluco, apenas um cara dado a excessos comportamentais. A palavra é o primeiro alvo do fascismo. Só que o fascismo sempre está configurado no passado e a palavra faz apropriação do porvindouro.



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