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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Ultra direita pensa como a ultra esquerda na hora de chutar o pau da barraca da democracia


Num esbarro casual, dou de cara com aquele distinto, nobre membro de família tradicional do Nordeste brasileiro, um heráldico representante da fina flor de nossa sociedade. O homem está revoltadíssimo com os rumos da nação. “Convocamos toda a reserva moral de nosso país para essa luta pelo futuro do Brasil, contra o PT e seu plano de transformar nossa pátria em uma Cuba”, esbraveja o “soldado” de um exército civil que quer fazer parte de uma tal “maioria silenciosa”, povo esse contrário a heresias como casamento gay, terras doadas para grupos de índios na Amazônia, sistema de cotas nas universidades, menoridade penal, bolsa família, médicos estrangeiros e outros assuntos capazes de esborrar o limite de tolerância do que eles chamam “direita esclarecida”.

O amigo direitista veio logo perguntando se eu voto na “onda vermelha” representada por Dilma e o PT, ou vou me juntar, por exemplo, aos 600 mil militares das Forças Armadas prontos para defender a nação dessa onda. Ele confessa que preferia votar no evangélico Marcos Feliciano, no ruralista Ronaldo Caiado ou no militar Jair Bolsonaro, “cristãos e pró-família”. Sem outra alternativa melhor, vão despejar seus votos no Aécio Neves, “playboy um tanto irresponsável mas, na atual circunstância, o único nome para barrar a corrupção e imoralidade petista.”

Respeito muito esse cidadão, gosto dele, é ótima pessoa. Conheço sua família, é de minha terra, somos conterrâneos. Antes de responder, fiquei pensando: o que despertou os amortecidos instintos libertários dessa nobre figura? Nunca foi de se meter em política, só ajudava aqui e ali algum candidato representante de sua classe social, dos latifundiários e pecuaristas. Agora, estava metido em uma quase conjuração para deter o tal golpe comunista. Eles, os conservadores de todas as matizes, acreditam mesmo que estamos à beira de uma revolução vermelha. “É gravíssimo!”, grita o homem. “O PT contratou seis mil médicos cubanos, são seis mil guerrilheiros para agitar os pobres e miseráveis de todas as raças no Brasil”, acredita.

Nem a criatividade do poeta Zé Limeira poderia antever a cena absurda de seis mil médicos cubanos brigando contra seis mil soldados brasileiros. Não entro no mérito das baboseiras ideológicas desse senhor. Digo apenas que vou votar sem muita convicção. Desacredito nesse sistema eleitoral, mas, de repente, me veio a vontade de participar e votar na candidata contrária ao do meu compadre velho, reacionário. Só porque lembrei dos seus avós e bisavós que controlavam as eleições em nossa terra comum, nos bons tempos das eleições de bico de pena ou a coação humilhante de tiranetes e seus capitães do mato, passando em revista pobres matutos, rasgando cédulas e trocando por outras dos seus candidatos, impedindo a livre manifestação do povo miserável. Hoje, o povão vota por comida, vende o voto por ninharia, mas é dono do seu voto.

Apesar de tudo, ganhe quem ganhar, leva no voto. Chega de palhaçada de quarteladas e revoluções cretinas, de esquerda ou de direita. Entretanto, que dá um certo estremecimento diante das ameaças desse povo, isso dá. Essa gente não joga pra perder e formam um grupo muito forte, apesar de meio maluquetes. Já perderam bastante nas urnas. O perigo de golpe armado é real, embora remotíssimo.


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