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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Quando a cidade mora na pessoa

Por Adeildo Vieira

Romualdo Palhano
Conheci Romualdo Palhano no início dos anos setenta quando comecei a cursar o ensino fundamental no Colégio Estadual de Itabaiana. Garotos com pés nos primeiros degraus da adolescência, vivíamos o exercício de explorar as possibilidades lúdicas da cidade, de prospectar as minas de alegria nos recantos mais recônditos dos sítios sem cerca ou dos estádios sem fronteiras na areia do rio, onde realizávamos copas do mundo de dentro. Para os jogos de sonhar eu era sempre escalado. E muitas foram as vitórias dos campeonatos contra a tristeza e a desesperança, momentos em que, sem saber, projetávamos um futuro de glórias.
Aquele foi o cenário onde construímos nossos castelos oníricos, de bases sólidas, frontispícios elevados e janelas escancaradas para o mundo. Depois daquelas experiências vivenciadas na adolescência, tudo o que fizemos em outras paragens na vida foi reformar aquele castelo, jamais alterando as estruturas montadas pelas cenas que deram sentido à nossa caminhada de viver. A alma de quem se dá aos movimentos da infância é vestida por malha tecida de esquinas e colorida por jardins e quintais. Hoje sabemos o quanto aquelas ruas de Itabaiana – ora de trajeto infinito, ora aparentemente sem saída, nos deram substância para sentir o mundo e o quanto nos ensinaram para viver este sentimento. Eu, nascido em Itabaiana, deixei minha cidade aos quinze anos incompletos. Romualdo, natural do Rio Grande do Norte, viveu na Rainha do Vale do rio Paraíba por doze anos, de 1969 a 1981, período suficiente para batizar sua vida nas águas daquele rio.
Não bastassem as cenas de rua no traçado de seus cometimentos lúdicos, Romualdo foi um dos fundadores do GETI – Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana, onde exercitou suas primeiras experiências teatrais junto a aventureiros incorrigíveis que insistem em moldurar a vida com poesia e de se embrenhar na luta de resistência contra os dragões do mal que vivem de sujar as vitrines da aurora. Ali o jovem ator encontrava a fornalha com que iria formar a matéria prima de seus dias, definindo sua profissão e sedimentando sua devoção pelo teatro. Depois de 33 anos que deixou a terrinha, foram dezenas de trabalhos realizados pelo artista, tanto no teatro como na literatura. A Itabaiana dedicou três livros que investigam a história da cidade em seus acontecimentos mais importantes, sobretudo no que tange às questões culturais que desenharam o seu perfil na linha do tempo.
É muito animador saber que há pessoas capazes de reconhecer a grandeza do lugar que montou o quebra-cabeças de viver no tabuleiro da infância. Melhor ainda é ver a contribuição que dão quando se debruçam no seu passado, ajudando-nos a conhecer as belezas conceituais já vividas e lamentar os novos conceitos que trocaram árvores por cimento, fecharam cinemas e teatros, viraram as costas para os personagens da cultura de raiz e flor, que roubam a areia do rio e que convidam o cidadão a abandonar sua terra em busca de outros horizontes.
Na semana passada fiquei muito feliz ao reencontrar amigos ativistas culturais da minha Itabaiana no lançamento de duas obras emblemáticas na busca do reconhecimento da cidade. Falo dos livros “Itabayanna – Entre Fatos e Fotos”, de Romualdo Palhano e o livro biográfico “Artistas de Itabaiana”, do jornalista, escritor, compositor e dramaturgo Fábio Mozart. São obras de afirmação cultural e política daquela que me deu a régua e o compasso composto no qual traço minhas canções.
Radicado no Amapá há vinte anos, Romualdo Palhano prova que há muito saiu de Itabaiana, mas a cidade que pintou sua adolescência nunca saiu de seu coração. Junto-me a ele e a todos que sabem reconhecer a grandeza do nascedouro da água pura.




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