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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

No dia do orgulho ateu, lembrei de Bebé Chorão

Hoje é o dia do orgulho ateu. Não me considero ateu, mas agnóstico. Um ser à procura da grande verdade, doido para descobrir a olho nu a nudez e a dimensão trágica da vida e da morte e outras filosofóticas exegéticas, mas, no fundo, no fundo, só consigo vislumbrar, fracassado e decadente, a experiência do erotismo de Madame Preciosa na sua busca intensiva de liberação dos desejos carnais, “que é a aprovação da vida até na própria morte”, conforme o filósofo Bataile. Resumindo, o que eu quero mesmo nesta vida é rosetar.

Estas filosóficas e bestas palavras eu dedico a um contemporâneo que, do seu modo, revelou-se contra uma moral normalizadora provinciana. Meu compadre Bebé Chorão, que Deus o tenha, figura concebida como um misto de sacristão e putanheiro, beijador de mão de padre e chupador de “belas” no baixo meretrício e no alto das camas das mais populares damas das noites do Carretel, fidelíssimo tomador de cachaça e fumador de piola, tocador de sino e de punheta, o homem que foi locutor dos mortos, anunciador de enterro com sua voz rascante de inveterado fumante e alcoolista. Passou meio século zelando a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na cidade Itabaiana do Norte.

Quando nosso grupo de teatro recebeu autorização do Padre Antonio Kemps para ensaiar a “Paixão de Cristo” na Igreja Matriz, Bebé era nosso auxiliar e alcoviteiro. Abria a Igreja de madrugada para os ensaios, enquanto ficava entretido com sua meiota no bar de Índio ou no “fuá”. Uma noite, o padre chegou à procura do seu sacristão, sendo imediatamente levado à pensão de Julieta. Naquele lugar estranho, com luzes vermelhas e mulheres meio embriagadas, o sacerdote perguntou:

--- Meninos, onde estamos?

--- No cabaré, seu padre. É aqui que Bebé vive.

O bom pároco saiu do antro da perdição comicamente desesperado, com Bebé correndo atrás:

--- Padre Antonio, eu explico, eu explico...

Foi suspendo por três dias da penitência de beijar o Santo Ofício com seus lábios impuros. Ficou só nisso a punição.

Ano passado, com mais de meio século de trabalho na Igreja, Bebé foi aposentado compulsoriamente pelo novo padre. Não resistiu viver longe do seu universo de santos, defuntos e missas, foi a óbito. Ninguém anunciou o enterro do nosso Bebé. Quase ninguém chorou a morte de Bebé Chorão. A gente que pensava que Bebé fosse eterno. De certa forma, ele foi um homem que, com sua vida devassa e ao mesmo tempo santificada pelos incensos, figuras e cerimônias religiosas, apontava para uma certa liberação dos comportamentos das formas normativas instituídas por uma ética e uma moral cristãs.


Um comentário:

  1. Bebe chorão, grande cara. Parecia ser ou tolo, abestado ou coisa parecida, mas tinha uma personalidade porreta. Sou testemunha de uma passagem do Bebe, que muitos com certeza não faria o que ele fez repudiando um ato preconceituoso da época que era pratica comum nas religiões, principalmente na católica.
    Eu era coroinha, ajudava o Padre João Gomes quase que diariamente na celebração da missa.
    Certo dia de domingo, a Igreja estava lotada,no final do lado direito do interior da Igreja, sempre algumas mulheres do carretel, assistiam a missa, coitadas, se sentiam tão humilhadas no ambiente que se cobriam com o véu sobre o rosto que quase ninguém as percebia.
    Nesse citado domingo duas beatas ferrenhas e de relevância no social da cidade as reconheceram, e foram diretamente na sacristia ordenar que Bebe fossei até lá e as retirasse da igreja. Bebé disse que não faria isso. Elas prontamente se dirigiram ao Padre João, que nesse momento junto comigo já nos dirigíamos para o altar.
    Gritaram!, Padre , espere um momento e falaram;
    Padre na casa do Senhor tem varias prostitutas querendo assistir a missa, pedimos ao Bebe para que as mandasse embora e ele não obedeceu.
    Padre João, preconceituoso até a alma, puxador de saco das famílias ricas, renegava a sua própria por ser pobre, não morava com ela e sim com uma família de renome na cidade (até hoje não sei se ele tinha parentesco ou não com essa família), se dirigiu até o Bebé, e ordenou que ele as retirasse do recinto da Igreja.
    Foi ai que vi a bravura de um ser tão simples e humilde, enfrentar o Padre respondendo o seguinte:
    “Vou não Padre, elas são tão filha de Deus como eu, o Sr. e essas Senhoras ricas, são pecadoras sim como Madalena foi, mas eu também sou e muita gente que ta aqui na missa também é, o Sr pode até me dispensar, mas não vou não. Padre João disse pra ele, depois da missa vamos conversar. Se houve conversa não sei, só sei que Bebe ficou na Igreja , só agora tomei conhecimento que foi que foi o Padre Antonio Kemps que o dispensou.
    Como diz hoje Roberto Carlos, “Bebé era o Cara daquela época.
    Orlando Araujo.

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