O
golpe militar de 64 está perto de completar 50 anos. Hora de lembrar nossos
subversivos, os tais “marcados para morrer” que faziam parte do plano comunista
da conquista do mundo ocidental, como imaginavam as cabeças dos militares da
época. Manipulados por civis da direita entreguista, esses militares deram o
golpe que chamaram de Revolução. Quem acabou “solapando a democracia” foi o
próprio Exército, pensando que salvava o sistema econômico baseado no lucro.
Nessa
onda, muita gente foi presa, morta ou expulsa dos seus empregos. Os chamados
“Quinta-colunas” eram dedurados em toda parte. Bastava um qualquer apontar um
inimigo para a repressão cair em cima. Tempos de ódio, de medo e censura. Na
minha cidade, Itabaiana do Norte, muita gente foi presa acusada de subversão,
outros fugiram.
Francisco
Almeida era um rapaz inteligente que morava ao lado de nossa casa. Muito jovem,
já criava situações de agitação nas escolas onde estudou. Um carbonário, um
sujeito contestador, um libertário bom de discurso e melhor escritor. Fundou um
jornal, Evolução, onde publicava suas ideias socialistas. Acho que foi o
precursor da imprensa engajada de esquerda em Itabaiana. Depois nascia o jornal
“O Combate”, redigido pelo meu pai Arnaud Costa. As intervenções abertas do
Chico Almeida deram a ele a fama de agitador. Participava de comícios e outras
atividades políticas nos tempos agitados pré-64. Acusado de incitar a baderna e
a intolerância, aos olhos dos reacionários da época, foi expulso de muitas
escolas.
Essa
figura tão combativa era, no entanto, frágil no seu interior. Encurralado por
seus problemas íntimos, algumas vezes tentou acabar com seu sofrimento acabando
com a própria vida. Por ter experimentado veneno algumas vezes e escapado,
ficou conhecido como Chico Veneno. Ou talvez porque seus discursos inflamados
contra o totalitarismo e as injustiças sociais soavam como veneno aos ouvidos
dos conservadores de sua cidadezinha. “Todo mundo virava a cara quando ele
passava”, testemunha sua prima, Socorro Almeida. O certo é que o filho de seu
Zé de Zino escapou das masmorras da ditadura, voltou a Itabaiana e continuou
sua militância política, desta vez em um partido. Passou a defender a bandeira
da líder dona Dida, uma corrente política considerada à direita no espectro
ideológico do lugar. Mais uma contradição do Chico Veneno, talvez sua penúltima
ação autodestrutiva. Depois, enfim teve êxito na tarefa de se suicidar. Partiu
para o andar de cima deixando em branco sua ficha pessoal, porque até hoje
ninguém sabe o que provocava nele uma animosidade agressiva contra o mundo,
sendo que ele dirigia essa agressividade contra si próprio. Foi um cara que, no
fundo, tinha ideais generosos. Era uma figura marcante, que deixou traço
indelével na minha geração.