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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A maldição de Chico da Mata



Rubens Nóbrega conta a história de um cigano que foi parar em Cabedelo e lá enterrou uma caveira de burro, justificando o azar daquela cidade.

Zé de Lila tem uma lenda comum em seu repertório, que seria uma temeridade eu contar aqui, mas, diante da insistência do meu compadre Ameba, irrequieto conterrâneo de Itabaiana do Norte, passo a desfiar o fato, que tem a mesma linha narrativa da crônica do Rubens, faltando só a maresia do ar de Cabedelo.

Diz que se deu nos idos de 1970, numa época em que proliferava um bicho safado chamado dedo-duro da ditadura. O cara aproveitava o clima de terror do regime de força e dedurava os inimigos, apontava como comunista aquele seu desafeto, entregando-o à sanha dos milicos. Pois foi um dedo-duro desses que fez uma varredura na cidade. Tudo que era de intelectual, jornalista, líder político, a raça dos estudantes inteligentes, a turma de artistas, a chamada elite pensante do lugar, foi tudo preso. Quem não pegou cadeia, largou-se no mundo, com medo de sentar na cadeira do dragão nos quartéis. Meu pai Arnaud Costa, Secretário da Prefeitura no governo do ex-prefeito Hugo Romero Saraiva, montou num cavalo chamado Mamão, propriedade do fazendeiro Zé de Paulo, e se mandou por esse mundaréu, com o jipe do Exército correndo atrás por causa das ideias que esse jornalista andou espalhando no jornal “A Folha”. O professor Israelzinho foi pego em impedimento na zona do agrião, acusado de jogar na ponta esquerda de um time chamado Grupo dos Onze, treinado por um tal de Brizolão. Pois bem, na cidade só ficou o lado analfabetizado da humanidade, já que os militares têm ódio de quem pensa antes de prestar continência.

Apontado como comunista, comedor de criancinha, cheio de intenções malévolas de criar a república anarco-sindicalista-raparigueira na Rua das Flores, Rua 13 de Maio e adjacências, o famoso poeta e biriteiro Chico da Mata foi procurado pelas forças de segurança para ser imediatamente preso e recambiado para o quartel mais próximo a fim de responder a rigoroso inquérito militar. O poeta não foi preso por dois motivos. O primeiro de ordem econômica, já que dormiu com a rapariga Maria Cento e Vinte e não pagou o programa, por insuficiência de fundos, tendo que se mandar de madrugada, pulando a janela. O outro de ordem estética, porque foi obrigado a raspar o grosso bigode devido a uma camada de chato que pegou na cama da rameira, dificultando o reconhecimento.

Na sua rota de fuga, Chico da Mata pegou o atalho do córrego que corta a cidade, onde se deu a famosa batalha do Riacho das Pedras. Ali, o perseguido cultor das musas enterrou uma caveira de burro e rogou uma praga: “Itabaiana, nunca mais tu vai ter um prefeito que preste!”

Igual ao caso de Cabedelo, o tempo tratou de confirmar a maldição.



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