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segunda-feira, 22 de julho de 2013

MICRO CONTOS

Um micro conto de Dida Fialho

Uma vez estava em um ponto de ônibus no Rio, e de repente, uma coroa linda e gostosa começou a me olhar insistentemente. No começo, achei que não era comigo, mas aí pude constatar que a moça queria mesmo um contato. Me aproximei.

--- Bom dia! Tudo bem?

--- Bom dia! Você é Dida?

--- Sim, sou.

--- Eu sou sua tia...

Eu nunca tinha visto aquela minha tia em carne e osso, só conhecia por fotografia. Depois, marcamos para rever o resto da família.

O mundo é pequeno e, na fila de um ônibus que não passa, pode estar seu destino esperando passar a limpo as coisas da vida.


Um micro conto autobiográfico

Aos dezenove anos, contraí uma febre tropical viajando pela Amazônia, procurando ouro e vendendo chinelo de couro cru. Abandonei meu emprego de datilógrafo do Serviço Militar, aceitei o lugar de clandestino em um navio gaiola, subi os rios Negro, Tocantins, Amazonas.

Meu chefe, um capitão do Exército, queria que eu fosse militar. Corri do serviço militar e entrei no foro sujo da vida contemporânea em pleno “milagre” econômico, nadei de braçada no lodo de um pântano chamado Brasil.

Repentinamente, voltei. Física e intelectualmente maduro, me refiz da tentativa frustrada de ficar rico no contrabando nortista. Antes que me dominasse a torpeza geral das faculdades, tornei-me cínico.


Papo de birosca

A sorte do homem está em sua estrela, disse-me um dia uma velha cigana debaixo de uma ponte, no interior do Maranhão. A sorte do homem está em sua vontade, li de relance num desses livros de auto ajuda. Onde irei encontrar a redenção, fora da vontade do destino ou do designo dos deuses?

Anarquista amigo meu acredita na felicidade de ser um infrator das normas estabelecidas. Foda é que acaba sendo criador de normas novas.

O bom é quando você cai, cai profundamente, arrastando velhos deuses junto com a ciência e o materialismo. Eu tentava explicar isso ao aposentado que bebia comigo na birosca. Ele cuspiu de lado o resto do seu primitivismo e me mandou catar coquinho.


Memória ancestral

Guaraci nasceu em uma reserva indígena e foi batizado como Emanuel. Adotou o outro nome por se considerar como tendo sangue autóctone.

Foi ajudante em laboratório de medicina legal. Tomava um litro de aguardente por dia para encarar os defuntos mal conservados. Foi pego em flagrante comendo restos das orelhas de um cadáver a título de tira-gosto.

Bebia em excesso, dizia que seus ancestrais, os índios, inventaram a cachaça. Para seu singular costume de comer carne humana, explicavam que se devia à cultura dos ancestrais antropófagos. Sempre se negou a esclarecer esse ponto.



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