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sábado, 29 de junho de 2013

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA



Dando vez às vozes do passado e do futuro

Adeildo Vieira

É no olho-no-olho que a gente constrói as melhores relações humanas e proporciona os melhores resultados no aprendizado entre gerações. De pai pra filho, de velhos pra jovens o melhor mesmo é a oralidade presenciada, testemunhada, palpada, sentida. A presença ante o mais velho traduz muito mais que palavras, ela carrega a magia do momento sedimentada pela simbologia do afeto, do respeito, da inter-relação entre papéis, que naturalmente estabelece uma ambientação pedagógica. Por vezes o lúdico comanda este processo, geralmente traduzido pelo prazer de se estar presente compartilhando o som, as cores, as palavras, a dança, os ritos sagrados, os sabores, os gestos, o olhar distante que se embrenha na natureza no afã de sabedoria. É assim que se transmitem os saberes pela tradição oral, numa ação pedagógica espontânea que permite a manutenção de códigos culturais, atravessando gerações.
O mundo acadêmico é essencial para a produção do conhecimento, mas o pragmatismo do mundo científico jamais deve preterir dos saberes traçados pelas experiências empíricas que deram sentido às vidas de pessoas que legitimaram seus conhecimentos pela força da sobrevivência. Há que se considerar que neste movimento em torno da própria história, essas pessoas produziram cultura através dos mais diversos ritos que justificam sua existência. A academia nem precisa se curvar diante desses saberes, basta que os respeite e os  reconheça. Melhor que isso, promovam-se as trocas, os compartilhamentos.
Os mestres da cultura popular, detentores de conhecimentos ancestrais que promoveram a gênese da nossa formação racional e sensorial, são hoje personagens em risco de extinção por serem alvo da discriminação de quem não reconhece a grandeza de sua existência. Os mercados culturais abastecem os meios de comunicação com seus produtos pasteurizados, criando paradigmas culturais que negam essas expressões mais telúricas. Uma onda de preconceito orquestrada pela ignorância consagra a exclusão dos atores dos saberes populares, afastando-os dos ambientes festivos ou mesmo impedindo sua relação com educação formal. É comum as escolas se debruçarem sobre modismos vazios e sequer reconhecerem a importância desses conhecimentos populares para a formação do cidadão a partir dos referencias de sua própria identidade. A desvalorização desses mestres do saber do povo desestimula até a continuação do ofício pelos familiares. Os mestres tendem a envelhecer sem deixar eco nas salas do futuro.
Atualmente corre no Congresso Nacional a discussão para a aprovação da Lei Griô, que busca o reconhecimento dos mestres populares e a inserção dos seus saberes nos processos educacionais formais, considerando o rico processo da tradição oral. Não se trata de um instrumento de proteção mórbida aos mestres, daqueles que garantem um salário simbólico até que morram junto com seu conhecimento. Trata-se da consagração de um movimento de valorização desses personagens e seus saberes, garantindo amparo legal para promover a permanente difusão dos nossos códigos culturais mais arraigados que fervem no coração desses personagens tão importantes para a nossa história. Quem sabe assim recuperemos traços de relações humanas que vêm sendo perdidos pela modernidade tecnológica.
Enquanto isso, eu percebo que jamais esqueci uma só palavra das canções que meus pais cantavam ao pé da minha rede. Não posso dizer o mesmo das aulas de ciências.

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