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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA



A luz de Penha nasce para todos, mas falta-lhe sombra e água fresca

Adeildo Vieira
O sol nasce para todos, a sombra é que é privilégio de poucos. Então, viva a generosidade da artista popular Penha Cirandeira, que junto com membros de sua família distribui a luz que vem da força do seu batuque e do céu de sua garganta na “Ciranda Raio de Sol”, nome dado à sua apresentação festeira. Trata-se do  som que nasce para todos, irradiado do sotaque do seu tambor de corda e das melodias traçadas pelo timbre rasgado de sua voz, que vibra em nosso corpo e leva luz para a alma de todo aquele que se permita à dança em praças sem fronteiras. Mas a essa mulher falta abrigo que lhe traga o conforto da justa sombra. Falta-lhe a água fresca capaz matar sua sede de justiça. Essa artista popular, gigante em sua arte de viver, não foge a uma regra cruel. Vive de qualquer labuta, menos de sua arte.
Só mesmo quem viu o vigor dessa cirandeira no exercício de sua “brincadeira” é capaz de entender a força de uma grande mulher em seu ofício de distribuir alegria. Quem nunca cantou e tocou um instrumento percussivo ao mesmo tempo também não entenderá a complexidade desse feito. Penha faz tudo isso com a força que a vida lhe deu na sua luta pela sobrevivência e que a conduziu - e até hoje conduz - por difíceis labutas, entre campos e cidades, de roçados à  peregrinação de ruas na cata de lixo para reciclagem. E toda essa história de vida é traduzida na crueza da sua voz, como uma foice cega capaz de cortar a cana que faz o melhor mel. Foice feita de aço que não quebra. A voz de Penha ecoa nos ouvidos da nossa existência nordestina. Uma existência bailada no coco de roda.
Há uns quatro anos, eu e o professor da UFPB Carmélio Reynaldo produzimos um CD para divulgação da obra de Penha Cirandeira. Criamos o selo “Raízes da Alma”, que resultou no lançamento deste produto, além do CD de Vó Mera, outra maravilhosa expressão da cena da nossa cultura  popular. O projeto foi patrocinado pela Funjope e pela UFPB. O objetivo dessa ideia é, não só divulgar, mas trazer mais uma fonte de renda às artistas do meio popular, onde o foco de luz não chega. O produto é vendido por elas próprias.
Hoje, ainda com alguns CDs em mãos, as cirandeiras  clamam por espaço e reconhecimento. Penha, que certa vez já ameaçou vender seus tambores e aposentar sua iluminada expressão festeira, continua ganhando a vida em roçados, onde trabalha de aluguel sob os escaldantes raios de sol, apesar de enfrentar problemas delicados de saúde. Mas, para nossa alegria, seu tambor ainda soa, batendo com a força renitente de seu coração.
Eis aqui um convite praquele que ainda não dançou a “Ciranda Raio de Sol” de Penha Cirandeira. Permita-se cair na dança que evoca todos os cantos da nossa Parahyba, embalados no coco de roda e na ciranda. Mas, para isso, experimente convidar essa mulher guerreira e iluminada para enfeitar sua festa. Ou cobre sua presença em festas públicas. Permita-se a esse deleite e sua festa nunca mais será a mesma, assim como a vida  dessa mulher cheia de sol.
Pra quem se propõe a transformar a dureza da vida em bailado, a felicidade urge. No caso de Penha, há muito que já passou da hora.

  

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