Páginas

domingo, 16 de setembro de 2012

POEMA DE DOMINGO




CORDEL
O encontro de Zé Carroceiro com Zeca Roceiro 


Todos dois eram José
Mas receberam apelidos
Relativos aos trabalhos
Pelos rapazes exercidos
Um trabalhava na roça
Outro com uma carroça
Assim eram conhecidos.

Zeca desde pequenino
Chamavam o Zé das Dores
Que trabalhava na roça
Lá na Lagoa das Flores
Vivia a sua luta
Nessa eterna labuta
Dos nossos trabalhadores.

O outro era da praça
Morando lá na cidade
Prestando o seu serviço
À toda comunidade
Sua vida vinha e ia
Levando mercadoria
Com grande facilidade.


E para isso contava
Com um pequeno jumento
E fazia da carroça
Seu principal instrumento
Fosse de noite ou de dia
A todo mundo atendia
Com muito contentamento.

Conhecido como Zeca
Seu nome era Zé Luís
Vivia na sua lida
Era pobre, mas feliz
“Peito firme e braço forte”
Calejado no transporte
Sempre foi aonde quis.

Por se chamarem de Zeca
Como já antes afirmado
Para evitar confusão
Na roça e no mercado
Um era Zeca Roceiro
O outro, Zé Carroceiro
E o recado foi dado.

O Zé Carroceiro era
Do setor municipal
E na limpeza urbana
Trabalhava, afinal.
Parecia até um bicho
Pois na coleta do lixo
Ele era o maioral.

Rua abaixo, rua acima
Recolhendo o que achava
Junto com o seu jumento
Que no transporte ajudava
Dia e noite e noite e dia
Para todo canto ia.
Assim a vida passava.

O outro Zeca, o roceiro,
Viva no povoado
Onde plantava e colhia
Cuidando de seu roçado.
Fosse inverno ou verão,
No frio, no calorzão
Esse era seu passado.

Além de ter o jumento,
O Zé Carroceiro tinha
Um cachorro vira-lata
Apelidado “Sardinha”
Que sempre lhe acompanhava
Enquanto ele trabalhava
Na obrigação que tinha.

Uma seca aconteceu
Lá naquela região
Com muita gente sofrendo
Faltando alimentação.
O sol castigava tanto,
Era muito choro e pranto
Atingindo a multidão.

Quando acontece uma seca
Eles prometem ajudar
Mandar comida e trabalho
Para o pobre trabalhar.
Mesmo a verba sendo pouca,
Mesmo sendo um cala-boca,
Serve para aliviar.

Um dia o Zeca Roceiro
Procurou a prefeitura
Pra conseguir uma ajuda
Pois a vida tava dura.
Aceitava qualquer lida
Pra conseguir a comida
Fora da agricultura.

A tal frente de trabalho
Se mexe de qualquer jeito
Não importa se o serviço
Fica bem-feito ou mal-feito.
Pra conseguir um lugar
Basta você bajular
Um político ou o prefeito.

Fazem açude do plano
Conserta-se cerca a rodo
Trabalhando todo dia
Com afinco e com denodo
Cavam buraco na terra
Vem outra turma e aterra
Desmancha o trabalho todo.

Na cidade é diferente:
Fazem limpeza no rio,
Tiram grama das calçadas
E aterram o baixio,
Até aprece uma posta.
Mas o que prefeito gosta
É de pintar meio-fio.

Pra fazer esse serviço
Que é sempre ligeirinho
Não precisa muita arte
E nem tampouco carinho
Basta um balde de tinta
Onde um limpa o outro pinta:
É serviço de baixinho.

Agora deixo de lado
As obras “prefeiturais”
Vamos trará dos dois Zecas
Que já falamos demais
Para falar da disputa
Dessa inexplicável luta
Que está em todo jornais.

O Zeca Roceiro estava
Numa praça a trabalhar,
Pegando toda sujeira
Juntando num só lugar.
Era um serviço “moleza”
Pois competia à “limpeza”
Todo lixo transportar.

O Zeca aproveitava
Esse instante ideal,
O momento em que os outros
Juntavam o material.
Descansava um pouquinho
E comia o lanchinho
Que tinha no embornal.

O lanche de Zeca era
Assim um tanto frugal:
Um pão e duas bananas
Um quase nada de sal
Para um pouco de doçura
Um naco de rapadura
Feita do canavial.

Só que o jumento de Zé
Era um animal esperto
Foi farejando a comida
Que tinha ali por perto
Foi chegando de mansinho
E agindo ligeirinho
Atingiu o ponto certo.

Pegou as duas bananas
Começou a mastigar
Zeca ouvindo o barulho
Se virou, mas devagar
Nisso o cachorro latiu
E o outro José viu
A desgraça começar.

A verdade é que o jumento
Agindo ardilosamente
Comera duas bananas
Furtadas rapidamente
E depois, pra desespero
Daquele pobre roceiro
Inda palitou o dente.

Quando Zeca percebeu
O que tinha acontecido
Se zangou com o jumento
Pelo que tinha comido,
Mas percebeu, afinal,
Que age assim o animal
Por carecer de sentido.

E com raiva se virou
Para o dono do jumento
E partiu pra cima dele
Com o maior xingamento.
Foi quando a coisa fedeu
Com o bafafá que deu
Ali naquele momento.

O Zé pegou o chicote
Zeca pegou a enxada
Ficaram se ponteando
E estudando a parada.
Só que nenhum avançava
Olhava o outro e xingava.
A briga esta empatada.

O povo ficava em volta
Torcendo por confusão
Apostando em um e outro
Dinheiro de mão em mão.
E os dois só se olhando
De vez em quando xingando
Sem partir para a ação.

O rolo continuava
Mas leve como cortiça.
Gritos vinham da “torcida”,
Um reclama, outro atiça.
Quando alguém ali no meio
Gritou já de peito cheio:
“Ramo chamá a puliça!”

Acordaram o delegado
Que se chamava Cerezzo
Que chegou com um soldado
E como o semblante teso
Assim que se aproximou
Muito bem alto gritou:
“Teje todo mundo preso!”

E rebocaram os quatro
Para a delegacia
O jumento ia na frente
E o dono lhe seguia.
No meio do coça-coça
Só não levaram a carroça
Porque dentro não cabia.

O delegado roendo
Nervosamente a unha
Gritava pra todo lado:
– Aqui ninguém se acabrunha!
E mostrando “otoridade”
Disse ao povo da cidade:
– Apareça a testemunha!

Ninguém se prontificou
A atender ao pedido
E se ninguém falou nada
Também nada foi ouvido.
O começo, meio e fim,
Ninguém sabia, enfim,
O que tinha acontecido.

O jumento então zurrou
Pois pretendia falar.
O delegado entendeu
Que ali não era lugar
Pra conversar com jumento
E que seu depoimento
Nada ia acrescentar.

Desse modo resolveu
Botar todos na prisão.
Nisso falou o prefeito
No meio da multidão:
– Em nome da prefeitura
Eu determino a soltura.
Acabou-se a confusão.

E quando os quatro saíram
De lá da delegacia
O Zeca olhou para o Zé
Dizendo com simpatia:
– Agora é tudo acabado,
Esqueçamos o passado
Vivamos com alegria.

Logo o Zé admitiu
Que o jumento errara.
Fora só por causa dele
Que tudo se iniciara.
E no meio do alvoroço
Pediu desculpas ao moço
Pois amigo é coisa rara.

Zeca aceitou as desculpas
Que o outro oferecia
Pois viu que naquela briga
Nenhuma razão havia.
Sem nenhum ressentimento
Deu a comida ao jumento,
Agindo com cortesia.

Depois de tudo acalmado
Resolveram conversar
Zeca convidou o outro
Para ir lhe visitar.
Disse ele com troça:
– Pode levar a carroça
Que o jumento vai gostar.

E hoje, no fim do dia
Quando a tarefa termina
A limpeza e o transporte
Do que restou da faxina
Vai cada um para o lar
Comer, dormir, descansar,
Pra começar a rotina.

Mas no final da semana
O José vai decidido
Visitar o seu amigo
Seu parceiro preferido
Sai montado na carroça
E vai direto pra roça
Onde é bem recebido.

E passa lá os dois dias
Na calmaria da mata
Os dois ficam passeando
Longe da labuta ingrata.
Até o tal do “Sardinha”
Corre atrás de galinha
Mas quando pega, não mata.

Geraldo Xavier
(Poeta cordelista itabaianense radicado na Bahia)

Um comentário:

  1. Gostei da publicação. Mas, quem vai ler o poema para o novo "funcionário" da Prefeitura?

    Geraldo

    ResponderExcluir