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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA

Val Donato
A greve das cigarras
Adeildo Vieira

As cigarras não cantam por diletantismo. Para elas cantar é labuta, assim como as aranhas tecem a sua teia. Da mesma forma são os músicos e cantores profissionais, cujo labor está na produção dos seus sons para o deleite dos demais trabalhadores das noites e dos dias. Enquanto tecem suas teias sonoras, estão vendendo um produto de luxo através de sua força de trabalho. Quem quiser esse produto de luxo, pague o que é justo!

No começo desta semana a cantora Val Donato fez um desabafo nas redes sociais sobre as relações de trabalho entre artistas da música e donos de bares. Desabafo veemente e justo. Vale ressaltar que há anos esta discussão está na ordem do dia. É muito raro o famigerado couvert artístico chegar integralmente ao bolso do músico, detentor sagrado deste direito. Na maioria das vezes o valor arrecadado é usado pelo dono do bar para pagar algumas contas do seu negócio, ou quem sabe até usá-lo para oxigenar sua economia particular. Bom, o fato é que este dinheiro é do artista e o desvio de seu destino é, a meu ver, estelionato. Seria o mesmo se o músico embolsasse o lucro das bebidas do bar. Mas o lamento da cantora também se estende ao fato de não lhe oferecerem sequer uma boa estrutura de som, prejudicando o resultado de tudo o que foi cuidadosamente preparado para seu público.


E dá pra trabalhar assim? A resposta é que pra muitos companheiros dá, porque se submetem a toda sorte de desrespeito. A estes faltam consciência de classe e respeito a si mesmos, talvez porque alguns ainda cantem inspirados no canto de uma sereia ilusória que lhes sugere um almejado sucesso, outros porque, já com os pés cravados na profissão, amarguem o resultado da triste desunião da sua categoria. Mas a situação é concreta e deve ser tratada como questão trabalhista que possa desembocar em garantia de mercado pelas vias da consciência de classe. Isso significa que a atitude de um trabalhador só causará repercussão se for pautada no respeito aos outros. Cada vez que um artista se submeter a situações de desrespeito estará maculando toda sua categoria. E quem não se dá ao respeito não será alvo de respeito por parte de ninguém, principalmente de quem explora sua força de trabalho.


Ninguém percebe a presença de seu próprio coração até o dia em que ele ameace parar. A iminente visita da morte nos faz sentir a importância deste órgão que trabalha incansavelmente em favor da vida. É o que aconteceria aos empresários se os músicos acompanhassem a postura adotada por Val Donato, cruzando os braços e fechando a garganta até que respeitem o seu trabalho, garantindo-lhe dignidade. Será que suportariam a esta parada cardíaca? Será que sobreviveriam à greve das cigarras? Ou será que tomariam consciência de que o coração de seu negócio bate na garganta e nos instrumentos dos músicos e cantores que honram seu empreendimento?


Esta atitude da talentosa roqueira precisa causar eco pelos auto-falantes da nossa indignação. E só a consciência de classe da categoria dos músicos é que  porá fim nesta não-fonia de sons e sonhos desencontrados. É preciso identificar qual a melhor organização que transforme  indignações em lutas políticas e jurídicas, definindo tabelas de cachês, pisos salariais e outros tantos benefícios que encham de respeito a maravilhosa atividade de quem embala os dias e noites do mundo. A meu ver, estamos falando de um sindicato!

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