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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O sequestro do artista de circo



Esse bode palhaço era coadjuvante do famoso “Atanásio” no “Gran Circo Roliúde”


Às vezes eu conto histórias de Biu Penca Preta e o povo pensa que é mentira. Esse itabaianense da cabeça de navio teve uma infância irresponsável e uma adolescência imaginativa, para descambar numa vida adulta irremediavelmente insólita e pilhérica.  

A história do circo passou-se diante dos olhos de figuras tais como meu compadre padeiro Marcos Veloso, que nunca me deixou mentir, nem na presença do escrivão de polícia. Foi nos idos dos anos setenta. Depois de percorrer os interiores mais acanhados, um circo mambembe veio a fixar suas pobres lonas no pátio da Casa da Mãe Pobre no bairro Cochila. Penca Preta e outros curumins andavam rua acima e rua abaixo atrás do palhaço, para serem marcados com uma tinta azul nos bracinhos magros e entrarem de graça no circo, à noite. 

Era uma terça-feira. Botaram o presepeiro menino para tomar conta de um bode. O dito bode adestrado vinha a ser a estrela maior do circo, mais afamado do que o próprio palhaço “Furico” e a rumbeira que bailava ao som do pífano de Risadinha, acompanhado por Biu da Rabeca. E lá ficou Biu Penca Preta, orgulhoso de sua função de tomador de conta do astro maior do circo, o bode “Atanásio”, sujeito grandão, de raça nobre e orelhas enormes. 

Como sempre foi um elemento propenso à ociosidade, Biu adaptou-se perfeitamente à missão, que era de ficar olhando o bode “Atanásio” pastar no oitão da casa de Nô Almeida. Vez em quando juntava uma reca de meninos curiosos, querendo passar a mão no lombo do bicho, pegar nos seus chifres. Era aí que Penca Preta exercia sua autoridade, enxotando os pirralhos, muito esnobe na sua função de guardião do grande artista circense.

Como era terça-feira, conforme anunciei antes, a civilização matuta estava toda na rua grande, participando da grande feira livre. Acontece que um matuto de Linda Flor achou de visitar o circo e viu o nosso Penca Preta tomando conta do bode. Como esse matuto exercia a profissão de marchante justamente de carne de bode, interessou-se pelo nutrido caprino. 

--- Bode bonito, né menino? De quem é esse bode?

--- É meu.

--- E você vende o bode?

--- Olhe, seu zé, eu tava pensando até em vender, mas o povo daqui só quer comprar no peso. E o talento do bicho, onde fica?

O cortador de carne avaliou o bode, passou a mão por baixo, alisou o lombo.

--- Dou dez contos no bode.

--- Ôxe, dez contos é só o par de chifres! Me dê vinte!

--- Nem eu nem você: dou quinze contos no bicho. 

--- Ta feito!

O matuto pagou e saiu puxando “Atanásio”. O garoto tratou de se mandar para a rua da Palha e se esconder na casa de Marcos Veloso.

O pobre do matuto foi preso por tentar roubar um artista de circo e premeditar vender até a buchada. Na delegacia, tentava se explicar:

--- Comprei de um rapazinho da cabeça grande.

Para evitar complicações de ordem legal, nosso Penca passou toda temporada do circo escondido no quintal de Marcos Veloso, ocupado como ajudante na fábrica de picolé do atual padeiro.

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