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domingo, 22 de julho de 2012

Nunca mais...



Era o meu jeito. Não sabia fazer amizades, sempre arisco. Com vinte anos, saí de minha cidadezinha para o Norte do Brasil, atravessando o país a pé, de carona, caminhão, trem, ônibus, navio. Vendia sapatos de couro cru e bolsas de agave. Um dos poucos amigos que fiz na viagem, Napoleão, negro atarracado vindo do Maranhão para comprar uma câmera fotográfica Polaroid na zona franca de Manaus. Sonhava ganhar a vida difícil com a máquina de fotografia instantânea.

No porto de Santarém, Pará, carregamos o porão de um navio gaiola com pesados fardos de peixe cru para ganhar passagem de terceira classe para Manaus. No fim do dia, meu pescoço parece que havia afundado, e o cheiro de peixe, um fedor de xexéu-do-mangue, ficou entranhado na alma. Jurei que jamais comeria peixe. Napoleão não só comeu um tambaqui assado como disse que voltaria a Santarém para visitar, desta vez como turista, com a Polaroid a tiracolo.

Anos depois, voltei a comer peixe. Napoleão deve ter retornado a Santarém. Eu, nunca mais...

Namorava com a mocinha e a irmã da mocinha. As duas de rosto tranquilo, uma morena e outra loira, estudavam na mesma classe que eu. A loira sabia do namoro duplo. Traía a irmã com a tranquilidade inocente e sem culpa própria dos seus 16 anos.

Um dia, a morena nos pegou aos amassos. A macieza de seda de sua pele ficou da cor do algodão, mais pálida do que de costume. Não disse nada. Das brumas da memória, lembro que tentei discutir o assunto. “Não vale a pela. Talvez um dia a gente se encontre de novo, mas agora não dá”, disse a morena.

A loira, como era seu relativo direito, tentou se apossar da parte que cabia à morena. Algum tempo depois, a morena se findava, vítima de câncer no sangue. A loira continuou na escola, namorando os meninos e esquecendo a irmã descorada e fraca. Eu, nunca mais...


A fome apertava comigo nas ruas de Belém do Pará, em 1975. Sem vender as bolsas de agave, por um erro de estratégia empresarial, não arrumava numerário para comer. Explico: pensava que estaria trabalhando com um produto diferente, mas a região conhecia a juta, mais barata e mais resistente do que o agave. Resultado: produto boiando e fome apertando.

Foi quando encontrei a praça/feira dos mochileiros. Deram-me sopa e cigarros. Uma bela mulata de Pernambuco ensinou truques para sobreviver naquela cidade desconhecida. Contra os meus hábitos, me socializei com todo mundo. Aprendi que viajar é evoluir.  A mulata tornou-se basicamente uma mochileira profissional. Eu, nunca mais...

No ano de 1988, fundei o Partido dos Trabalhadores na cidade de Mari. Coube em sorte conhecer pessoas iluminadas, gente simples, mas com um não sei quê de nobre e em alto grau de humanidade. Uma dessas pessoas era dona Benedita Luiza, senhora de sessenta anos que dedicou sua vida a servir aos mais necessitados. Morreu de câncer no seio.

Algumas dessas pessoas continuaram a fazer política, umas tomando rumos partidários diversos, outras ingressando na luta dos sem-terra. Depois da morte de dona Benedita, foi como uma senha para o partido perder as qualidades primitivas de companheirismo, dedicação ao próximo e real interesse em mudanças. Determinadas figuras ficaram na sigla por interesse pessoal, outros, bem poucos, ainda com a fé comovente da velhinha de Taubaté. De outros se diz que foram envolvidos em projetos político-partidários por ofício e meio de vida. Eu, nunca mais...

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