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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Rua João Feliciano de Luna, a rua da Beira da Linha

Foto: Das Dores Neta
        
Romualdo Palhano

Mais uma vez tivemos que mudar de casa e de bairro. Cada casa, cada bairro e cada ambiente era um novo mundo de descobertas, novas amizades e novos conhecimentos. Saímos da Rua Alfredo Coutinho de Lyra e descemos pela “Estrada do Gado” para morar defronte à linha do trem na Rua João Feliciano de Luna, nº 113 defronte ao quilômetro 134 da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima. A partir do ano de 1975 a Rede Ferroviária do Nordeste – RFN, passa a ser Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA. Doutor Antonio Batista Santiago era o Prefeito de Itabaiana, eleito pela Aliança Renovadora Nacional – ARENA. Como sempre. os móveis eram transportados um a um, pela própria família e alguns amigos voluntários. Mesmo com esta mudança, ficamos sempre em contato com a família Bendito e a Sede dos Trabalhadores continuou sendo nosso ponto de encontro nos finais de semana.

     Era da rua da beira da linha que meu pai nos levava para brincar à tardinha num simples parque de diversões que havia na Praça João Pessoa. No pequeno parque havia cadeirinhas, gangorras e uma armação de ferro conhecida por “gaiola” aonde nós subíamos, descíamos e brincávamos à vontade. Nessa mesma praça se armava circo. Ainda presenciei bonito espetáculo no “Circo Continental”.

     A Rua João Feliciano de Luna era uma rua com apenas seis casas e isso em muito facilitava a relação social entre os demais vizinhos. Na direção do centro da cidade para rua do Cochila tínhamos na primeira casa a família de seu Renato e Dona Rita, mãe de Marinês, cuja menina eu tinha grande admiração. A segunda casa era das “Guarebas”, moças bonitas que chamavam a atenção e eram cobiçadas nos quatro cantos da cidade. Eram elas: Sônia Benício de Castro, Dalva Benício de Castro, Jôse Benício de Castro. Outras amigas faziam parte daquele grupo eram Dedinha e Nenega. De todas elas, a mais nova era a que mais se aproximava da gente, em função da idade. Luciana Benício de Castro era o seu nome, mas a chamávamos simplesmente de “Lana”, hoje é funcionária dos correios e reside na cidade.

     Era com Luciano, seu irmão, Justino (Nóca) que com mais alguns colegas pegávamos umas quatro a cinco latas, um se vestia de “La Ursa” e no carnaval saíamos pelas ruas pedindo dinheiro. Em meio à pancadaria desritmada das latas e passando de porta em porta cantávamos a seguinte estrofe: - “A La ursa quer dinheiro, quem não der é pirangueiro”. Incrível como essa frase funcionava bem, porque ninguém queria se passar por pirangueiro. No final da tarde sempre havíamos juntado algumas pratinhas que dava para todos lancharem guaraná com bolo caseiro na bodega de seu Hilário, que ficava na entrada da Avenida dos Ferroviários.

     Depois da casa das “Guarebas” era a casa de um senhor, conhecido por “Uba” e que era muito amigo de meu pai. Geralmente íamos de bicicleta, eu, meu pai e Uba para o roçado deste último, que ficava nas imediações do novo hospital de Itabaiana, perto da PB 54. Tudo era novidade para mim. Sair de bicicleta com meu pai, passar o dia naquele roçado cuidando da plantação e voltar à tardinha para casa. Mas, um dia algo chamou a minha atenção. No nosso retorno encontramos um caçador com o seu embornal superlotado de rolinhas abatidas. Ele, com sua espingarda mostrando e fazendo propaganda da sua valentia. Eu, criança não entendia aquele ato tão covarde e devastador. Depois de adulto, passei a compreender a ganância do homem e a sua eterna degradação do meio ambiente.

     A quarta casa pertencia à Dona Julieta que era esposa do Senhor Antonio Bezerra Jácome, mais conhecido como Cabo Totô, que por muitos anos foi instrutor da Banda Marcial do Colégio Estadual de Itabaiana. Cabo Totô era marceneiro. Muitas vezes estive na sua oficina com o colega Justino (Nóca) que era seu aprendiz.

     A primeira vez que ouvi a música do “Conjunto musical os Incríveis” foi na casa de Cabo Totô. A radiola de marca Telefunken era um dos principais móveis existentes na sala daquele casal de idosos, constava de um grande móvel de madeira com três gavetas para guardar trecos. As caixas de som eram acopladas ao próprio móvel. Ao abrir a tampa vertical, aparecia o rádio com um imenso visor e sintonizador de ondas curtas, AM. Ao abrir a tampa horizontal na parte de cima, aparecia a parte do toca discos com um grande prato onde se colocava os “long plays” de vinil, ao lado havia um braço com uma agulha na ponta, para colocar sobre o disco e ouvir a música. Essa radiola era automática e possuía tão alta tecnologia que poderia ser colocada cinco discos, um sobre o outro. Quando um terminava, o braço da agulha saía, outro descia e a agulha voltava a pressioná-lo para iniciar nova música. Era uma revolução.  Havia naquela casa uma grande árvore que dava muitas graviolas; foram várias as vezes que ganhamos graviolas maduras daqueles vizinhos.

     Em seguida era a nossa residência. Casa alugada, grande e com imenso quintal onde brincávamos de todo tipo de brincadeiras, inclusive de apresentação de números circenses. A casa pertencia ao Coronel Antonio Farinha Seca, que possuía uma vila de casas para alugar. Daquela casa ouvíamos muitas músicas de Raul Seixas, em função de que Zezinho, filho de seu Antonio Farinha Seca, era fã de carteirinha daquele famoso cantor que na época estava nas paradas de sucesso.

     O circo ainda era muito presente na vida social da época, inclusive no quintal de casa montávamos verdadeiros circos que eram nossas brincadeiras onde todos os colegas participavam: um fazia o palhaço; outro o malabarista. Quase tudo que existia num circo de verdade no nosso circo de brincadeira também havia como: contorcionista, dançarinos, locutores, trapezistas, só não havia mesmo animais. Aprendíamos muito com as brincadeiras de circo.

     Era nessa rua que meus pais criavam patinhos, ele construiu um tanque para que os patos pudessem banhar-se. Pato come de tudo e uma comida que eles gostavam eram folhas de bananeira picadas. Em nossa casa havia muitos pés de banana. Eu pegava folhas da bananeira e cortava em pedaçinhos. Depois jogava no tanque e era uma festa para os patinhos. Outro momento interessante era que a patinha saia para passear todos os dias. A patinha ia à frente e nove patinhos atrás, todos respeitando a fila indiana. Saiam pela manhã quando o portão era aberto e sempre chegavam à tardinha, eu ficava imaginando como é que eles conseguiam passear tanto e acertar a casa de volta, coisa que eu ainda não conseguia fazer muito bem.

(Do livro “Eu e a Rainha – de menino a rapazinho”, de Romualdo Palhano. Lançamento sexta-feira, 27 de janeiro, no Sebo Cultural (19h) e sábado, em Itabaiana no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar)

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