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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O dia em que o Papa deu as costas ao povo de Itabaiana (1)


Sanderli declamando seus poemas em Mari, no lançamento do meu livro "Biu Pacatuba, um herói do povo paraibano", que fala de outras lutas camponesas na Paraíba.

No fim da década de 70, o dono da fazenda Alagamar vendeu sua imensa propriedade a um tal Antonio Galvão, de Timbaúba. Alagamar fica entre os municípios de Itabaiana e Salgado de São Félix. O novo proprietário resolveu expulsar os moradores, alguns com mais de meio século vivendo nas terras. Deu-se a luta dos agricultores ameaçados de expulsão, briga que contou logo com o apoio de Dom José Maria Pires, Arcebispo da Paraíba, Frei Hermano e um grupo de advogados ligados à Igreja. Parte da imprensa e alguns artistas também se engajaram nessa luta em favor dos colonos de Alagamar, contra a Polícia, o Exército e todo o aparato repressivo da ditadura militar então vigente. 

O conflito pela conquista da terra em Alagamar atraiu até uns militantes da arte em Itabaiana, ente eles Sanderli José, filho de Zé Ferreira, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. “Na época, eu tinha 18 anos, já era metido nas lutas sociais, porque fazia em Itabaiana um teatro político conscientizador, através do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana”, conta Sanderli. 

No seu brilhante romance “Relato de Prócula”, que acabei de ler, o escritor W. J. Solha narra o momento em que a polícia foi prender alguns agricultores que retiraram dos roçados o gado do patrão e replantaram o feijão destruído. O tenente separou quatro homens. A multidão gritou: “Esses homens estavam sozinho não!” O tenente: “Só esses foram denunciados. Portanto, os quatro subam no jipe e os demais estão dispensados”. Diante da insistência dos mais de cem trabalhadores em também serem presos, o tenente ordenou: “Então os quatro entrem no jipe, os demais sigam a pé para Itabaiana”. Uma mulher tomou à frente: “O senhor tenente me desculpe, mas esses quatro não são melhores do que a gente. O senhor vai indo na frente de jipe, a gente vai andando a pé atrás”. Sem poder com mais de cem, o tenente engatou a primeira e seguiu adiante, devagar, tendo atrás uns cento e tantos camponeses cantando coco de roda, dançando ciranda e chorando de emoção pela pequena vitória contra o braço do opressor, enquanto uma chuva fininha começava a cair, apagando os candeeiros. Foi uma longa jornada noite adentro até chegar em Itabaiana, de manhãzinha. 

Em Itabaiana, eu, Sanderli e Pedro Lourenço passamos a noite trancados na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, na Rua do Carretel, pintando faixas de apoio aos trabalhadores de Alagamar, tomando Ron Montilla com laranja e olhando pelas brechas das portas os soldados na calçada, vigiando nossos movimentos e tentando intimidar. Logo cedo, encostou um carro de som de Ivo Severo. Saímos do Sindicato, passamos pela fileira de soldados, entramos no carro e começamos as palavras de ordem: “Que viva Alagamar! Reforma agrária já!”. Encontramos os camponeses perto de Campo Grande, capitaneados por elementos da ala progressista da Igreja Católica e outros setores de vanguarda da Paraíba. Uns para dar apoio moral ao movimento, outros emprestando o apoio jurídico e logístico. O poeta Severino Izidoro Faustino, de Salgado de São Félix, era uma das lideranças, com Zé Antonio e Ciço Tributino. Mais tarde, Severino Izidoro Faustino, da fazenda Maria Melo, comporia o Hino de Alagamar, que serviu de base para a “Cantata pra Alagamar”, de W. J. Solha e o maestro Alberto Kaplan, obra de quem falaremos no próximo post.
 
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