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domingo, 22 de maio de 2011

POEMA DE DOMINGO


A estátua do escravo Inácio, precursor da Literatura de Cordel através dos
seus repentes. A estátua está no jardim de Catingueira, Paraíba,
em justa homenagem ao famoso filho

 Neste domingo, transcrevo as seguintes expressões poéticas:

O meu sangue é um mar buscando a África
O luar do pandeiro é meu calibre
Quando eu canto esse meu caminho é livre
Sonham aves em minha voz violeira

A estrutura do verso não vem ao caso. São somente trechos de composições poéticas declamadas ao ritmo da viola, invenções sem par de um poeta repentista nascido em data ignorada, na Paraíba, e morto em 1879. Negro, analfabeto e escravo, foi o poeta Inácio da Catingueira quem pensou e cantou esses versos.


“O meu sangue é um mar buscando a África” é uma enunciação digna de Castro Alves? “O luar do pandeiro é meu calibre” poderia estar em qualquer letra de qualquer obra-prima de Noel Rosa ou Chico Buarque. “Quando eu canto esse meu caminho é livre”, frase de um lirismo arrebatador, sabendo-se da condição do vate, sujeito a um dono.


Dizem que Inácio da Catingueira enfrentou Romano de Mãe D’água em um desafio de viola que durou dois dias e duas noites, peleja travada na vila de Patos, em 1870. Em determinada hora, Romano passou a atacar a raça do negro Inácio:


Com negro não canto mais
Perante a sociedade.
Estou dando cabimento
Ele está com liberdade.
Por isso vou me calar,
Mesmo por minha vontade.


Inácio respondeu:


O sinhô me chama negro,
Pensando que me acabrunha.
O sinhô de home branco
Só tem os dente e as unha,
A sua pele é queimada,
Seu cabelo é testemunha.


Mudando de toada, o poeta Almirante foi cantar um pé-de-parede com o também repentista Antonio Xexéu. A mulher do Almirante se encontrava enferma, sem condições de atender às “obrigações conjugais”. Assim se queixou o poeta:


O Almirante zarpou
Para mares turbulentos
Reprimindo os sentimentos
Porque a fonte secou.


Almirante viajando
Os mares em calmaria
Sofre e pena todo dia
Por falta de um comando


Que lhe dê uma mureta,
Um anteparo qualquer
Pra falta que faz mulher,
Ausência de uma buceta.


Apito, faço viagem,
Nesse navio sem rumo
E quase perdendo o prumo
Vou lembrando a sacanagem.

Com o mastro sem garantia,
Me atiro a todo pano
Já me dá um desengano
Da pica sem serventia.





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