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quinta-feira, 18 de março de 2010
Como transformar uma moça direita em combatente de esquerda
Quando fui morar em Mari em 1988, apaixonei-me por uma mulher chamada Marizete Vieira. Não no sentido amoroso. Abstraia-se o elemento sexual, posto que minha admiração é restrita ao campo das ideias, e minha homenageada sempre se conservou casta, pura e desprovida de paixões cegas, materiais, efêmeras e falsas. Sua vida se fundamenta na virtude, na dedicação aos princípios da lealdade, honestidade e amor ao próximo.
Não se diga, com isso, que Marizete Vieira é um protótipo de santa. Mas é uma pessoa que aprendeu a encontrar a verdadeira alegria e a paz no amor e dedicação ao próximo. Católica fervorosa, Marizete tenta refletir em sua vida pessoal os ensinamentos do Grande Mestre.
Ainda garota, foi trabalhar no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mari como datilógrafa. Depois, fez concurso no Estado e assumiu o sacerdócio da educação. Como mestra, autodidata extraordinária, procurou ultrapassar os limites da escola pública, desenvolvendo métodos a partir de estudos sobre didática do ensino, com novas estratégias e dinâmicas, adotando a filosofia da qualidade e da melhoria contínua. Professor da escola pública com iniciativa, que procura seus próprios caminhos em busca de alternativas novas para ensinar, é mesmo uma raridade. Mas é assim Marizete, e assim formou centenas de alunos que hoje reconhecem na mestra uma autêntica educadora.
Com ela e outros companheiros fundei o Partido dos Trabalhadores. Na época, ser petista era barra pesada num ambiente elitista e reacionário do interior. Mas a bandeira do partido acenava com idéias humanistas. Pessoas de vida íntegra e ilibada, além disso corajosas como a professora Marizete, acreditaram na construção de uma sociedade mais justa e fraterna por meio de um partido político de massa como o PT daqueles tempos. A fé da católica Marizete Vieira sempre foi focada no ser humano. Fomos felizes na luta pela construção do partido, sentindo aquela plenitude e a íntima leveza de quem faz o seu dever enquanto cidadão consciente.
Na eleição, o partido necessitava de uma mulher para preencher a vaga destinada ao elemento feminino. Marizete Vieira aceitou o sacrifício de ser candidata a vereadora, apenas para constar, no primeiro momento. Depois, seu nome atravessou a cidade, bateu nos assentamentos de camponeses, tomou as ruas da periferia onde fazíamos um trabalho assistencial da Pastoral da Criança, sustentou acaloradas discussões sobre a necessidade de se investir nesse nome sem mácula. Grupos de amigos e admiradores de Marizete organizaram voluntariamente comitês de apoio, e as adesões começaram a chegar. Eu e meu compadre Manoel Batista montamos uma oficina de serigrafia exclusivamente para produzir material de campanha de nossa vereadora. O hoje radialista Jota Alves saiu pintando muros com tinta feita à base de leite e corante. Não havia grana, mas muita imaginação e vontade de massificar aquele nome que a cidade conhecia como uma “moça direita” e que a gente queria transformar em uma “combatente de esquerda”.
No fim, Marizete Vieira ganhou a eleição, para delírio dos seus admiradores. Foi a primeira vez que uma pessoa pobre ganhou eleição para vereador em Mari sem nenhum dinheiro, sem prestígio político e estrutura partidária.
Entre marchas e contramarchas, seu mandato foi exercido como tudo na sua vida: com dignidade, altivez e honestidade. Num ambiente corrupto como o meio político, claro que nossa vereadora contrariou muitos interesses, foi vítima de muitas agressões. Lembro que a prefeita da cidade, hoje devidamente armazenada na lata de lixo da História (conseguiu a proeza de emitir mais de 500 cheques sem fundo da Prefeitura), encontrou por acaso com Maziete na rua e disparou sua ofensa vulgar:
--- Marizete, você precisa é de um homem na cama pra deixar a vida dos outros em paz!
É que há uma intolerância congênita entre os corruptos e as pessoas de bem. Mas é assim Marizete, intransigente com os canalhas. De uma vez, prestando contas do mandato na reunião do partido, ela contabilizou até a roupa íntima que comprou com o dinheiro que recebia como parlamentar.
Dizem que político honesto é um mito mundial. Acho que sim, porque Marizete nunca foi dessa classe. Na outra eleição, não aceitou a missão de ser vereadora novamente. Com ela também fundei a Rádio Comunitária Araçá. Tanto a rádio como o partido tomaram rumos diferentes dos idealizados na época, mas valeu a pena. Um pensador católico, Tristão de Athaíde, afirmou que “a vida é um bem e vale a pena viver e se esforçar”.
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