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segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Jornalista Arnaud Costa (meu pai) escrevia no Timbaúba Jornal, na década de 50. Quando publicou esta crônica, eu ainda não havia nascido.
UM APARTE
Arnaud Costa
O Professor José Cavalcanti
Imagine-se um homem completamente paralítico, deitado numa rede, impossibilitado de ler, escrever e até de satisfazer as mínimas necessidades fisiológicas; um mancebo de paciência ascética, que trazia o mundo para dentro de casa através da literatura, à qual devotava suprema abnegação; um mestre paciente, metódico e perspicaz; um cidadão altivo, pachorrento, por vezes humilde e dedicado, quase sempre − e ter-se-á uma pálida idéia do que foi em vida o Professor José Cavalcanti de Lima, cuja consagração ao ensino ultrapassava os limites de um apostolado, duma paixão inconteste.
Quem, como eu, teve o privilégio de conhecer o antigo Diretor do INSTITUTO BATISTA de Itabaiana, não ignora o fato, incomum e paradoxal, dum Professor, ainda que primário, sem poder ler e escrever as lições marcadas diariamente, para mais duma centena de alunos do seu educandário às expensas do sacrifício e da dedicação do Mestre desaparecido. Apesar dos pesares, o Professor Cavalcanti lia, escrevia e contava, por intermédio da sua irmã, auxiliar indispensável do Colégio, que punha em prática o engenho oriundo da inteligência privilegiada do mano.
Possuidor duma memória aguçada, dono dum espírito elevadíssimo, cuja resignação ao sofrimento e à dor constrangia os corações mais endurecidos, o Professor Cavalcanti ensinava quotidianamente, com a venerável dedicação dum verdadeiro mártir, muitas vezes ainda sentindo as atrocidades das dores que o atormentavam quase todas as noites. Vivia do ensino. Senhor duma dedicação altruística, tratava os alunos com o maior carinho, nunca aplicando ensinadelas, jamais infligindo castigos.
Era assim o Professor Cavalcanti. Mesmo sem ter alisado os bancos duma escola, mesmo sem conhecer os salutares benefícios duma sabatina, conhecia como ninguém, todas as matérias que ensinava, acrescida de inglês, francês e latim.
Polemista, escritor, jornalista e exímio manejador da palavra, o ilustre homem desaparecido deveria ser imitado pelas gerações futuras. A sua memória deveria ser legado à posteridade, como exemplo para aqueles que, mesmo destituídos de aptidões, mesmo portadores de defeitos físicos, necessitam vencer honestamente na vida.
A rede tosca e sem apetrechos era a sua cátedra, a sua banca de trabalho, o seu posto de vigília. Nunca recebeu auxílio oficial, assim como nunca precisou de esmolas. Certa vez foi visitado pelo Governador José Américo, tendo sido, na oportunidade, alvo dos mais alcandorados encômios, das mais alvissareiras promessas. Mas, com o tempo o Chefe do Governo esqueceu o prometido, e a vida seguiu o seu ritmo normal até a morte, há pouco, do pranteado educador.
E, como reminiscência desse homem extraordinário, Itabaiana tem hoje, graças à Câmara Municipal, a “Rua Professor José Cavalcanti” − última homenagem a quem prestou os mais relevantes serviços à terra comum.
Arnaud Costa
Transcrito do Timbaúba Jornal de 23/04/1955
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